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Eli Paes
A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias ao Sistema Único de Saúde (Conitec) abriu uma consulta pública para avaliar a incorporação da semaglutida 2,4 mg (Wegovy) para o tratamento de pacientes > 45 anos, com obesidade em graus II e III e com doença cardiovascular, mas sem diabetes. O período da consulta pública é de 9 a 30 de junho de 2025.
A proposta de inclusão, feita pela farmacêutica Novo Nordisk, apoia-se em estudos clínicos como o SELECT , de 2023, que trouxe evidências de que o uso de semaglutida 2,4 mg em pacientes com obesidade e doença cardiovascular estabelecida diminuiu em 20% o risco de eventos cardiovasculares.
O estudo em questão contou com a participação de mais de 17 mil participantes e demonstrou redução significativa de eventos adversos cardiovasculares maiores (MACE) em pacientes com sobrepeso ou obesidade e doença cardiovascular pré-existente, mas sem diabetes.
Em um país em que a obesidade acomete mais de 20% da população adulta e está associada a uma carga elevada de doença cardiovascular, diabetes tipo 2, hipertensão e insuficiência cardíaca, a incorporação da semaglutida ao SUS pode representar um grande avanço no manejo dessas doenças.
Prós e contras
Do ponto de vista das sociedades médicas, a proposta é excelente para o paciente, mas precisa de cautela por conta do preço do medicamento. O Dr. André Camara de Oliveira, diretor da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia em São Paulo (SBEM-SP), disse que a sociedade apoia a inclusão criteriosa.
“As vantagens são diminuição de peso [com perda] sustentada e diminuição de risco cardiovascular, mas o custo é uma grande desvantagem, ainda mais por se tratar de uma medicação de uso contínuo. Estima-se um gasto de cerca de R$ 7 bilhões em cinco anos”, afirmou o Dr. André.
Por outro lado, o preço da obesidade no Brasil é ainda mais alto. “Os custos indiretos são estimados em R$ 50 bilhões por ano, e estão relacionados a absenteísmo, internações, cirurgias e medicamentos. A incorporação da semaglutida pode reduzir custos futuros com diabetes, acidente vascular cerebral (AVC) e infarto agudo do miocárdio (IAM)”, diz o médico.
Em maio, a Conitec já havia dado a recomendação de não incorporação da semaglutida ao SUS justamente por conta dos custos elevados, mas não tinha levado em conta o impacto financeiro da obesidade. Justamente por conta disso, a farmacêutica fabricante contra-argumentou e a entidade abriu a consulta pública.
Elegibilidade
A Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) avalia com atenção a possível incorporação. “Há possibilidade de redução de desfechos cardiovasculares, como infarto, AVC e morte, com consequente redução de custos na saúde relacionado a hospitalização e tratamento de doenças graves”, disse o Dr. Nivaldo Filgueiras, cardiologista e vice-presidente do Conselho Administrativo da SBC.
A Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (SOCESP), embora não emita parecer técnico formal, também reconhece o crescente corpo de evidências que apontam os potenciais benefícios da semaglutida no manejo da obesidade, com impacto positivo em fatores de risco cardiovascular.
“A incorporação da semaglutida ao SUS poderia trazer redução de peso clinicamente significativa para a população elegível, melhora de marcadores cardiometabólicos, como pressão arterial e perfil lipídico, e redução de eventos cardiovasculares em populações de risco”, analisou a Dra. Maria Cristina Izar, cardiologista e presidente da SOCESP.
Ela enfatiza, porém, que devem ser observados os desafios de implementação no sistema público de saúde e a necessidade de estratégias rigorosas de seleção e acompanhamento de pacientes, assim como os riscos associados à medicalização do controle de peso sem acompanhamento multidisciplinar.
O Dr. André também se preocupa com os critérios de elegibilidade ao uso do medicamento. “Se não forem extremamente claros, há risco de judicialização, o que pode aumentar ainda mais o custo”, complementou.
Patente até 2026
A perspectiva de queda de patente em 2026 anima os especialistas quanto à sustentabilidade orçamentária. “A concorrência deve deixar o preço mais acessível, o que tornaria o custo-benefício favorável para implantação criteriosa no SUS”, projetou o Dr. André. Ele considera pouco provável que a incorporação avance antes do fim da exclusividade de venda do medicamento, dado o preço atual do fármaco.
Uma vez incorporada a semaglutida, o SUS pode ter de lidar com desafios para garantir o acesso igualitário ao medicamento, que precisará ter a distribuição capilarizada e não ficar restrita a grandes centros.
“Algumas estratégias possíveis para isso são a criação de protocolos clínicos específicos, programas-piloto com avaliação de impacto, critérios rígidos de elegibilidade, baseados no índice de massa corporal (IMC) e na presença de comorbidades graves, bem como o uso combinado com educação nutricional, apoio psicológico e reavaliação periódica da eficácia”, analisou a Dra. Maria Cristina.
Em 2024, o Rio de Janeiro atraiu atenção quando o prefeito Eduardo Paes anunciou a intenção de oferecer no município, via SUS, a versão genérica do Ozempic. “Esse anúncio foi feito sem estudo de viabilidade econômica. Hoje, a medida ainda está em fase de viabilidade técnica e jurídica”, disse o Dr. André, reforçando que a SBEM é “favorável ao acesso de medicamentos cientificamente comprovados de forma responsável e criteriosa e obedecendo estudos de viabilidade econômica”.
Experiências internacionais
Alguns países, como a Dinamarca e a Noruega, já implementaram o uso da semaglutida nos seus sistemas públicos. Hoje, paradoxalmente, o medicamento costuma faltar com bastante frequência nesses países nórdicos.
Canadá e Reino Unido também já disponibilizam a semaglutida pelo sistema público de saúde. “No Reino Unido, a semaglutida só é prescrita em centros de especialidade para pacientes com IMC ≥ 35 kg/m² ou 30 a 34,9 kg/m² com comorbidade e falha em medidas convencionais, e por período máximo de dois anos”, contou o diretor da SBEM-SP.
Para o Dr. Nivaldo, a disponibilização da semaglutida no Reino Unido é um modelo que pode servir de referência para uma implementação gradual, segura e com boa relação de custo-efetividade no Brasil. “Será importante acompanharmos o efeito deste tratamento ao longo do tempo. Os pontos-chave da experiência britânica são os critérios estritos de inclusão, o monitoramento contínuo de desfechos clínicos e econômicos e a integração com centros de referência”, explicou.
Segundo a Dra. Maria Cristina, os países que implementaram a distribuição de semaglutida na rede pública ainda enfrentam alta demanda inicial; alguns ainda carecem de critérios de elegibilidade mais rigorosos e se deparam com desafios de sustentabilidade econômica no longo prazo.
Em âmbito nacional, a decisão final da Conitec — que além de critérios técnicos deve se basear nas participações da consulta pública até 30 de junho —, precisará integrar essas opiniões e dados técnicos para equilibrar avanço terapêutico, sustentabilidade orçamentária e equidade no maior sistema público de saúde do mundo.
Apesar das ressalvas orçamentárias, há consenso de que a incorporação da semaglutida é uma oportunidade histórica para o SUS. Se aprovado, será o primeiro medicamento contra obesidade disponível no sistema público de saúde.
“A SBC defende que a decisão da Conitec deve ser baseada em evidências científicas, análise de custo-efetividade e sustentabilidade do SUS. Reconhecemos que diferentes grupos, entre eles indústria, sociedade civil e associações de pacientes, podem manifestar suas opiniões de forma clara, mas reforçamos a importância de que prevaleça o critério técnico, a transparência e o interesse coletivo”, concluiu o Dr. Nivaldo.
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