Tumor cujos fatores de risco são, entre outros aspectos,
tabagismo, predisposição genética e exposição a agentes químicos, o câncer de
pulmão é, atualmente, segundo especialistas, a principal causa de morte entre
homens e a segunda entre mulheres no Brasil. Os dados mais recentes do
Instituto Nacional do Câncer José de Alencar Gomes da Silva (Inca) apontam que,
entre 2016 e 2017, terão sido diagnosticados, no total, mais de 28 mil novos de
câncer de pulmão no País. A Organização Mundial de Saúde (OMS), por sua vez,
afirma que, em todo o mundo, o número de novos casos da patologia é, por ano,
superior a 1 milhão.
Em paralelo às pesquisas de órgãos de saúde, estudos
sobre o novo perfil do paciente com câncer de pulmão – que abandona a figura do
homem de em média 70 anos e dá lugar ao jovem de 30 – e acerca de tratamentos
que focam na personalização do tratamento do tumor ganham visibilidade. Os
temas foram discutidos em São Paulo no último dia 23, durante a apresentação do
programa Inspire, fruto de parceria entre os laboratórios AstraZeneca,
Bristol-Myers Squibb e Pfizer. “Identificar a correta mutação de maneira rápida
ajuda a direcionar o tratamento e, com isso, melhorar os resultados do
tratamento”, comenta o oncologista Marcelo Cruz sobre o Inspire.
Médico titular do hospital AC Camargo Center e do
Hospital de Beneficiência Portuguesa, ambos em São Paulo (capital), entre 2015
e 2016 e atualmente oncologista clínico da NorthwesternUniversity em Chicago
(EUA), Marcelo Cruz conversou com O POVO, entre outros assuntos, sobre
terapias-alvo, imunoterapia e farmacogenômica, aumento dos casos de câncer de
pulmão em fumantes passivos e empoderamento do paciente. Confira os principais
trechos.
O POVO – O senhor poderia traçar um panorama do câncer de
pulmão no Brasil?
Marcelo Cruz - Quando se compara todos os tipos de tumor,
o câncer de pulmão é o que mais mata no Brasil. O número de casos novos por ano
também é alto. Infelizmente, muitas das pessoas que fumaram bastante e que
pararam ainda têm o risco elevado de ter câncer e é isso que a gente ainda está
vendo hoje. Isso vale para os países da América Latina e para os países
desenvolvidos.
O POVO – O que é o programa Inspire.
Marcelo Cruz - Do ponto de vista de tratamento,
felizmente, no País, temos aprovadas as terapias-alvo e as imunoterapias, que
podem ajudar pacientes com câncer de pulmão. O que a gente está precisando é
otimizar esse acesso no sentido de o paciente saber o que ele precisa através
da detecção de algumas alterações ou mutações que a gente encontra no câncer de
pulmão. Esse é o motivo desse programa Inspire. Você proporcionar ao médico uma
ferramenta que pode ser dada ao paciente, que não tem custo para ele (médico),
e ele, então, pode ter acesso à informação adequada de que tipo ou subtipo de
câncer ele tem e a terapia adequada.
O POVO – Existe um novo perfil de pacientes com câncer de
pulmão?
Marcelo Cruz - Quando a gente fala em câncer de pulmão, o
tabagismo ainda é a principal causa de câncer de pulmão. A idade mediana de
câncer de pulmão é em torno de 70 anos e esse perfil é de um paciente que ainda
existe e que se a gente não acabar com o tabagismo vai continuar. O que está
acontecendo é que a gente está conhecendo outras causas do câncer de pulmão:
fumante passivo, a poluição ambiental e a exposição a alguns tipos de radiação
e de gases existentes na natureza. Estes fatores juntos têm se mostrado fatores
de risco para câncer de pulmão dos mais jovens, 50, 40 anos de idade. Até
menos. Então, aquela face do câncer de pulmão daquele senhorzinho com cigarro
na mão está mudando.
O POVO – Como se dá a relação entre poluição ambiental e
o câncer de pulmão?
Marcelo Cruz - Quanto se fala em poluição ambiental,
pensa-se logo nos combustíveis fósseis. Mas agora já está se vendo que a fumaça
produzida em queimadas de árvores e de matéria orgânica é prejudicial. A longo
prazo, se essa exposição aumenta, aumenta também o risco de câncer de
pulmão. Aí, entra a questão de sustentabilidade tanto nas cidades quanto
na zona rural e na região de florestas e queimadas.
O POVO – O senhor falou dos novos termos que fazem parte
do dicionário do tratamento do câncer. Quais merecem destaque?
Marcelo Cruz - Acho que terapia-alvo, sem dúvida, é algo
importante. Partir desse princípio para achar uma mutação por meio de alguns testes,
como sequenciamento de nova geração e testes moleculares, já é algo grande de
conceito. Imunoterapia é outro conceito diferente de quimioterapia. Enquanto a
quimioterapia tenta matar a célula do câncer e com isso a célula aprende a se
proteger, a imunoterapia estimula as células de defesa a atacarem o câncer. E
nosso sistema imune tem várias maneiras de atacar uma célula que não é normal
ao corpo.
O POVO – Diante dessas novas tecnologias, como fica a
quimioterapia?
Marcelo Cruz - Foi se tentando melhorar, reduzir dose,
mudar molécula e otimizar e selecionar melhor a quimioterapia. Ainda assim, ela
é um tratamento tóxico. Para alguns tipos de câncer, como tumor de testículo,
de mama, a taxa de resposta é altíssima. Porém, a tendência é aumentar essas
terapias novas e reduzir a indicação de quimioterapia. A quimioterapia, muito
provavelmente, não vai acabar. Entretanto, a gente está cada vez menos tentando
utilizá-la.
O POVO – Há uma relação entre exposição ao câncer e
idade?
Marcelo Cruz - O câncer em geral é multifatorial e está
relacionado à vida moderna. A exposição a coisas manufaturadas, por exemplo,
está aumentando. E o tempo de vida está aumentando. A idade ainda é o maior
fator de risco para os cânceres: quanto maior a idade, maior o risco de se ter
câncer. Aí, entra todo esse entendimento do que pode ser feito para diminuir
esse risco e, na outra ponta, o desenvolvimento de novas terapias ou de novas
ferramentas que possam detectar precocemente para tratar mais rápido e aumentar
a chance de cura. Os desafios hoje são esses. É aumentar a detecção precoce e
tratar, da melhor forma possível, as chances de cura ou de um controle com
menos efeitos colaterais.
O POVO – A farmacogenômica está relacionada a essas novas
tecnologias.
Marcelo Cruz – A farmacogenômica parte do princípio de
que, uma vez que você acha uma alteração molecular, você tem a terapia-alvo
para aquilo. Toda vez em que o cientista descobre um gene, uma alteração, um
biomarcador, que definem alguma participação importante do câncer, do seu
desenvolvimento, multiplicação, disseminação, é precisochegar a uma molécula
que vai encontrar esse gene ou o produto desse gene. Você conseguir do ponto de
vista de terapia individualizar ao máximo o remédio para aquele paciente.
O POVO – Na palestra, o senhor defendeu o empoderamento
do paciente. É uma tendência?
Marcelo Cruz - O Brasil ainda tem essa questão muito
paternalista: o que o médico falou está falado. Se o paciente tiver a
informação, ele tem a capacidade de discutir melhor com o médico as opções dele
de tratamento. Nem sempre o que o médico oferece é o melhor. Tanto no sentido
de terapia, como no sentido da qualidade de vida. Existem, por exemplo,
pacientes que querem receber um tratamento que pode ser tóxico, mas pode ser
eficaz. Então, existem os dois lados. O paciente tem que entender e poder
discutir. Claro que ele não vai discutir de igual para igual com o médico. Ele
sempre vai ter a visão de um leigo, mas poder levar, discutir e saber o que o
médico está dizendo nesse sentido de seleção de terapia baseada no alvo
específico.
O POVO - Essas novas tecnologias vão impactar na saúde
pública. Se sim, a curto, médio ou longo prazo?
Marcelo Cruz - Apesar de todos os problemas que o País
está passando, ele não pode parar de olhar para tudo o que está acontecendo.
Esse processo de aprovação de novas tecnologias para o Sistema Único de Saúde
(SUS) não pode parar, senão a gente vai perder o bonde da história de novo. A
gente já o perdeu várias vezes. Tem que existir uma discussão séria e real
sobre custos e um trabalho em paralelo forte de todas as agências reguladores
de saúde junto à sociedade civil, às sociedades médicas, às empresas [de
medicamento], no sentido de poder oferecer o que há de melhor para os
pacientes. O paciente não pode ficar esperando se resolver problemas tão
complexos do País para enfim discutir isso.
O POVO - E essa articulação já está sendo realizada?
Marcelo Cruz - Do ponto de vista de pesquisa clínica e
com o esforço muito grande de sociedade médicas, conseguiu-se destravar algumas
coisas. Do ponto de medicamentos também. Imunoterapia e terapias-alvo, por
exemplo, foram aprovadas em tempo relativamente hábil. Apesar de não ser a
realidade do País nos últimos cinco anos, mas de uns dois anos para cá conseguimos
conversar com agências reguladoras e mostrar o estávamos perdendo. O que os
pacientes estão perdendo com os atrasos que estão acontecendo. E conseguimos
acelerar alguns processos. E não pode parar. É um processo contínuo.
O POVO - Os benefícios dessas novas tecnologias suplantam
os malefícios?
Marcelo Cruz - Sim. Isto é claríssimo: terapia-alvo e
imunoterapias produzem malefícios muito menores que a quimioterapia e
benefícios muito maiores. Estamos saindo de uma realidade de dar um tiro no
escuro, que na maioria das vezes não acerta o alvo, ajuda o paciente e causa
efeito colateral, para uma que a gente está vendo como uma luz sobre o que
precisa ser tratado, mais certeira e com menos efeito colateral. O paciente
fica impressionado. O médico que começa a ver resultados e utilizar os remédios
também fica impressionado. É uma mudança de paradigma muito grande da
quimioterapia para as terapias-alvo e imunoterapia.
Fonte: KELLY HEKALLY
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