Não basta cortar calorias,
fazer exercícios, tomar remédios. Agora, além do apelo às receitas
tradicionais, cresce a avaliação entre os médicos de que a obesidade deve ser
tratada como dependência química — uma abordagem terapêutica já usada em outros
países e que chega agora ao Brasil. O tema foi discutido esta semana em um
simpósio sobre obesidade promovido pela Academia Nacional de Medicina (ANM).
Quando comemos, o
cérebro libera em seu sistema de recompensa a dopamina, neurotransmissor ligado
ao prazer. Alimentos ricos em açúcar, gordura e sal provocam uma estimulação
cerebral semelhante ao de algumas drogas. E o organismo, aos poucos, se torna
insaciável: para atingir aquele nível de recompensa, precisará de cada vez mais
dopamina, apelando para as comidas gordurosas e açucaradas. Este sentimento de
“querer sempre mais” é semelhante ao do vício em cocaína e álcool, segundo
especialistas.
— Podemos ficar até
quatro dias pensando em uma comida enquanto não a tiramos da geladeira. Por
isso devemos fazer exercícios mentais, como lembrar que aquele alimento só vai
dar uma satisfação temporária, ou que vai nos fazer mal — explica Ana Lydia
Sawaya, pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados da USP. — Este
tratamento tem sido usado intensamente nos EUA e na Europa e é muito mais
parecido com uma mudança de comportamento de viciados do que a imposição de uma
dieta de 1.500 calorias, usada para obesos.
Membro da ANM e
organizadora do simpósio, Eliete Bouskela destaca que o combate à obesidade
pode ser mais difícil do que evitar o uso de drogas.
— É possível nunca
mais usar álcool ou drogas, mas a comida não pode ser totalmente cortada —
ressalta. — Ninguém tem tempo para cozinhar arroz e feijão. Por isso, apelamos
para refeições semiprontas, ricas em sal e gordura.
MUDANÇA DE ESTILO DE VIDA
Egberto Gaspar de
Moura, professor de Fisiologia Endrócrina da Uerj, lembra que medicamentos que
inibem o apetite e diminuem a absorção de gordura podem ser adotados como um
estímulo para a dieta e, também, para ajudar que os pacientes não recuperem o
peso.
— Usando remédios, o
paciente pode perder logo quatro ou cinco quilos. Já é um impulso — analisa. —
Mas este recurso deve ser moderado, porque há efeitos colaterais, como tontura,
palpitação, diarreia e náuseas.
Gaspar, no entanto,
assinala que a melhor maneira de combater a obesidade passa longe dos
comprimidos. Trata-se da mudança de estilo de vida, o que significa ter um
horário fixo para dormir, adequar a dieta e iniciar atividades físicas. Os
resultados são graduais e devem ser acompanhados por endocrinologistas,
nutricionistas e psicólogos.
O envolvimento de
médicos de diversas especialidades é sublinhado por Francisco Sampaio,
presidente da ANM. O motivo é a associação da doença com diversas enfermidades,
como o câncer de próstata, a hipertensão e a depressão.
— É a epidemia do
século e está avançando muito rapidamente. No estado do Rio, 52% da população
sofre com sobrepeso ou obesidade. Alimentos pouco saudáveis dão uma sensação de
felicidade, mas isso logo passa e, por isso, recorremos cada vez mais a eles —
descreve.
A ANM planeja
instalar, na área do Hospital Universitário Pedro Ernesto, em Vila Isabel, no
Rio, o Centro Multidisciplinar de Pesquisa em Obesidade, onde estudará diversos
aspectos relacionados ao tema, da pediatria à geriatria. Avanços tecnológicos
da última década abriram caminho para novas áreas de pesquisas sobre a
obesidade. De acordo com Mario José Abdalla Saad, professor da Faculdade de Ciências
Médicas da Unicamp, uma das principais conquistas foi o sequenciamento genético
das bactérias no estômago e no intestino.
— Sabemos que um
organismo com grande diversidade de bactérias gastrointestinais é menos
propenso à obesidade, mas alimentos industrializados acabam com esta
diversidade — explica. — Novos estudos também confirmam que os bebês nascidos
de parto normal e que foram amamentados nos primeiros dois meses também têm
menor tendência ao sobrepeso.
PROBLEMA EXIGE MUDANÇAS
DRÁSTICAS
Segundo um relatório
da consultoria McKinsey, a obesidade já está na terceira posição entre os
principais problemas que acometem a Humanidade, perdendo apenas para a
violência armada — que abrange terrorismo e guerras — e o tabagismo.
Professor de
Endocrinologia da PUC-Rio, Walmir Coutinho revela que diversos governos se
comprometeram a inibir os índices de obesidade até 2025, levando-os de volta
aos registrados em 2010. Alguns projetos conseguiram sucesso parcial: no
México, por exemplo, um tributo especial sobre o refrigerante diminuiu o seu
consumo em 20%, mas a verba obtida por este imposto não foi revertida em
subsídios para a produção, venda e publicidade de alimentos saudáveis.
— O Brasil teve boas
iniciativas ligadas à amamentação e à alimentação saudável em escolas, mas os
resultados gerais estão muito aquém do necessário — observa. — A obesidade é um
problema que exige medidas drásticas.
Em vez de inflar os
cofres com novos tributos sobre alimentos industrializados, no Brasil a
obesidade contribui com um rombo no sistema de saúde pública. Segundo uma
pesquisa realizado pela Datasus, o governo gastou mais de R$ 3,65 bilhões com
doenças relacionadas ao excesso de peso entre 2008 e 2010.
Professor do
Departamento de Clínica Médica da Uerj, Denizar Vianna atenta que a busca por
cirurgias bariátricas também foi multiplicado em menos de uma década, passando
de 16 mil em 2003 para 60 mil em 2010.
— Além dos aspectos
ligados à saúde, o impacto da obesidade também atinge a economia — explica. — O
crescimento desta epidemia é brutal, muito maior do que foi o tabagismo décadas
atrás.
A ANM realizará, no
dia 14 de julho, um simpósio sobre poluição ambiental. Inscrições são gratuitas
pelo e-mail secretariageral@anm.org.br. Haverá emissão de certificados aos
participantes.
Fonte: O Extra
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