Pesquisadores do Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará (UFC) e de outras instituições brasileiras tiveram publicado, nesta quinta-feira (20), um manifesto na revista Science, uma das mais influentes publicações científicas do mundo. O texto, intitulado "Brazil’s hypocrisy at COP30", denuncia uma incoerência entre o discurso climático do Brasil e suas decisões recentes sobre exploração de petróleo na foz do rio Amazonas.

O texto lança ao mundo um alerta um dia antes do encerramento da 30ª Conferência das Partes da Convenção da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), em Belém. Os autores criticam a decisão do governo brasileiro, anunciada em 20 de outubro, de autorizar perfurações exploratórias de petróleo em uma área offshore próxima à foz do Amazonas.
Os pesquisadores argumentam que essa resolução coloca em xeque a credibilidade do Brasil como líder global em diplomacia climática. A decisão se torna mais grave, reforçam, pelo fato de o país ter se comprometido, com outras nações amazônicas, a atuar de forma unificada na proteção do clima na Declaração de Bogotá.
“Verdadeira liderança climática não surgirá da exploração da última gota de petróleo, mas do compromisso inequívoco com a integridade ecológica, a justiça socioambiental e a transição energética pós-carbono”, defende o manifesto, que apresenta três pontos críticos.
O primeiro é que o projeto estaria contrariando diretrizes internacionais de transição energética, incluindo a posição da Agência Internacional de Energia (IEA), que afirma que nenhum novo campo de petróleo ou gás deveria ser aberto para que o mundo cumpra a meta de zero emissões líquidas até 2050.
Outro ponto crítico seria o extremo risco ambiental: a área de exploração está situada em águas profundas. O dobro da profundidade do local do derramamento da petrolífera inglesa British Petroleum (BP) no Golfo do México em 2010, que demorou cinco meses para ser contido. Os pesquisadores advertem que um eventual acidente na foz do rio Amazonas poderia durar ainda mais tempo e provocar impactos sem precedentes sobre a biodiversidade regional.
Por fim, eles destacam que a região é um dos maiores mosaicos ecológicos do planeta, incluindo recifes biogênicos, manguezais, plumas ricas em nutrientes e áreas costeiras associadas ao modo de vida de povos indígenas e comunidades pesqueiras tradicionais – grupos que seriam diretamente afetados por um eventual desastre.
ECOSSISTEMA AINDA POUCO COMPREENDIDO – "A nossa maior preocupação é que a exploração de petróleo na Margem Equatorial está sendo proposta justamente em uma área ainda muito desconhecida e extremamente sensível”, adverte o professor Tommaso Giarrizzo, do do Labomar/UFC. “Ali, o oceano se conecta ao complexo estuarino-amazônico, um dos ecossistemas costeiros mais produtivos do mundo, sustentado por plumas de sedimentos, manguezais e processos naturais que a ciência ainda está longe de compreender por completo", completa.
O pós-doutorando José Amorim dos Reis Filho reforça que, além de pesquisadores dedicados a produzir reflexões sobre a ciência e suas implicações socioambientais, os autores do manifesto são também cidadãos que habitam o mesmo planeta. “Queremos uma transição energética real e urgente — o planeta precisa disso, nós e nossos filhos igualmente”, diz o pesquisador.
Os cinco primeiros autores da publicação na Science são do Labomar/UFC: José Amorim dos Reis Filho,Tommaso Giarrizzo, Friedrich Wolfgang Keppeler (pós-doc), Eurico Noleto-Filho (pós-doc) e Marcelo Oliveira Soares (professor). Este último destaca a importância do envolvimento do grupo no debate: “Isso é importante em termos da discussão sobre as mudanças climáticas globais e políticas internacionais".
A publicação na Science reforça o papel da comunidade científica brasileira na vigilância crítica das políticas ambientais do país e chama atenção internacional para os riscos associados à expansão da exploração de petróleo na Amazônia, reafirmando o Labomar/UFC como referência nacional e internacional na promoção de uma agenda científica voltada à sustentabilidade e à governança dos oceanos.
Fonte: Marcelo Soares, professor do Labomar/UFC – e-mail: marcelosoares@ufc.br
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