quarta-feira, 16 de julho de 2025

Cresce o consumo de antibióticos de uso sistêmico no Brasil (Matéria Medscape)


Teresa Santos e Ilana Polistchuck

Mais de 4,5 trilhões de doses de antibióticos de uso sistêmico foram consumidas no Brasil entre 2014 e 2020 de acordo com um estudo publicado em junho no periódico PLoS One [1] que analisou dados de farmácias privadas registrados no período no Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC), uma ferramenta da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O estudo revelou ainda que houve disparidades estaduais nos padrões de consumo ao longo dos sete anos analisados. Além disso, a dose diária definida (DDD) por 1.000 habitantes/dia variou de 9,8 a 12,9.

A pesquisa foi desenvolvida durante o doutorado em saúde pública da Dra. Tatiana Ferreira, farmacêutica e pesquisadora. Defendido na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), o trabalho contou com orientação da Dra. Claudia de Osorio-de-Castro, da ENSP/Fiocruz, e coorientação da Dra. Rosângela Caetano, do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). 

Consumo variou entre os estados

Apesar do aumento geral do consumo desses medicamentos no país, os dados revelaram que houve diferenças entre os estados. Amazonas, Amapá, Rondônia, Mato Grosso e Rio Grande do Norte tiveram os maiores aumentos percentuais de consumo de antibióticos de uso sistêmico. Já o Mato Grosso do Sul foi o único estado a apresentar redução percentual significativa.

Em entrevista ao Medscape, a Dra. Tatiana explicou que, apesar do aumento demonstrado nesses estados das regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste, o consumo de forma geral foi menor do que nos estados das regiões Sudeste e Sul. De fato, a análise mostrou que Rio Grande do Sul e Santa Catarina apresentaram os maiores DDD por 1.000 habitantes/dia de toda a série temporal.

Para a autora, alguns fatores podem explicar esse cenário, entre eles o tamanho da população. “Espera-se que estados mais populosos tenham maior consumo”, explica. Outro ponto relevante, segundo a pesquisadora, é que o SNGPC registra apenas a venda dos medicamentos, o que pode limitar a análise do uso real. Além disso, ela destaca que as regiões Sudeste e Sul concentram a maior parte dos serviços de saúde e da renda do país, o que contribui para um maior consumo nesses locais. “As iniquidades persistem no país e se refletem também no acesso aos medicamentos”, afirma, acrescentando que, mesmo quando há acesso, isso não garante boas práticas de uso.

Penicilinas, macrolídeos e quinolonas

A análise por grupo de medicamentos revelou ainda que os macrolídeos, as penicilinas e as quinolonas foram os mais usados, somando mais de 70% do total de antibióticos consumidos no país. Dentre eles, os macrolídeos e as penicilinas foram os mais utilizados, com taxas de consumo de 28,6% e 28,1%, respectivamente.

De todos os antibióticos de uso sistêmico, a azitromicina — um macrolídeo — foi o mais consumido, seguido por amoxicilina, do grupo das penicilinas, seja em monoterapia ou em combinação com ácido clavulânico.

O aumento do consumo de macrolídeos acende um sinal de alerta. Segundo a Dra. Tatiana, eles são classificados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um grupo que exige vigilância, pois têm maior potencial de induzir resistência microbiana.

Como melhorar o cenário?

Para a especialista, é imprescindível monitorar o consumo de antibióticos não somente no ambiente hospitalar, mas sobretudo no ambiente comunitário.

A Dra. Tatiana afirma que o SNGPC foi criado essencialmente como uma ferramenta de monitoramento da dispensa de medicamentos de controle especial e antimicrobianos. Para ela, o sistema poderia ser mais bem utilizado como sinal alerta para o aumento do consumo desses medicamentos. “A Anvisa deveria propor ações de intervenção e conscientização aos usuários e prescritores. No entanto, desde dezembro de 2021, o sistema segue com preenchimento facultativo, o que nos deixa em completo apagão desses dados”, afirma.

Com relação à prática médica, a pesquisadora lembra que um estudo que entrevistou médicos e enfermeiros para investigar suas percepções com relação ao uso inapropriado de antibióticos mostrou que os profissionais conhecem bem ou muito bem as diretrizes e protocolos para prescrição de antibióticos. No entanto, algumas vezes não cumprem as recomendações, principalmente por conta das expectativas dos pacientes, que “esperam” por esse tipo de tratamento.[2]

Ela diz, ainda, que o aumento da resistência microbiana pode causar vários problemas, inclusive prejuízos econômicos, fato já evidenciado em relatórios da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). [3]

“O enfrentamento, combate e monitoramento da resistência microbiana requer ação conjunta e coordenada de todos os setores envolvidos na produção e no uso de antimicrobianos, inclusive gestores e tomadores de decisão”, defende a Dra. Tatiana. Segundo a cientista, ferramentas capazes de descrever e qualificar padrões de consumo desses medicamentos permitem fundamentar novas propostas de políticas regulatórias para o uso adequado de antibióticos e a minimização de futuros cenários de resistência microbiana.

O que pensam outros especialistas

Sobre o tema, o Medscape ouviu também a opinião do Dr. Alexandre Cunha, médico infectologista e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). Para ele, a pandemia de covid-19 aumentou muito o uso indiscriminado de antibióticos, principalmente por não especialistas. Segundo o médico, durante a pandemia, os profissionais “usavam [esses medicamentos] para tratar uma doença viral, que não responde a antibióticos”.

Com relação às diferenças entre estados quanto ao padrão de consumo de antibióticos de uso sistêmico, o médico lembra que o controle e a vigilância sobre as drogarias varia. "Em cidades menores, do interior, muitas drogarias conseguem burlar a fiscalização, vendendo antimicrobianos sem receita médica. O hábito de prescrição entre médicos pode variar também", destaca.

Referências

  1. de Jesus Nascimento Ferreira T, Caetano R, Benkö R, de Araújo Morais JH, Osorio-de-Castro CGS (2025) Community use of systemic antibiotics among individuals aged 15 and over in Brazil: A seven-year population-based cross-sectional study. PLoS One 20(6):e0325231. doi: 10.1371/journal.pone.0325231

  2. Carlsson F, Jacobsson G, Lampi E. Antibiotic prescription: Knowledge among physicians and nurses in western Sweden. Health Policy. 2023 Apr;130:104733. doi: 10.1016/j.healthpol.2023.104733.

  3. OECD, Stemming the Superbug Tide: Just A Few Dollars More, OECD Health Policy Studies, OECD Publishing, Paris. 2018. doi.org/10.1787/9789264307599-en.

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