terça-feira, 17 de junho de 2025

IA pode determinar quais pacientes diabéticos têm maior risco de hospitalização

Imagem Ilustrativa do Google Imagens

Teresa Santos e Ilana Polistchuck

Pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e colaboradores identificaram que ferramentas de machine learning são capazes de predizer, entre pacientes com diabetes acompanhados ambulatorialmente, aqueles com maior risco de hospitalização.

O estudo de coorte retrospectivo, publicado em abril deste ano nos Archives of Endrocrinology and Metabolism [1] , avaliou prontuários eletrônicos de 617 pacientes com diabetes, atendidos em uma unidade de endocrinologia de um hospital público terciário do Rio Grande do Sul entre janeiro de 2015 e dezembro de 2017. Desse total, 105 (17,02%) foram hospitalizados ao menos uma vez no período de dois anos.

Os autores utilizaram IA para analisar os dados e testaram múltiplos algoritmos de machine learning. A combinação de XGBoost e Instance Hardness Threshold apresentou o melhor desempenho, com sensibilidade de 0,93 para identificar os eventos de hospitalização.

Segundo o autor Dr. Mateus Reis, médico endocrinologista e metabologista, doutor em Endocrinologia pela UFRGS e professor de Endocrinologia da Universidade Feevale, essa combinação também apresentou menor desvio padrão, o que indica maior estabilidade e capacidade de generalização.

Perfil clínico dos pacientes com maior taxa de hospitalização

A pesquisa identificou fatores determinantes para a hospitalização dos pacientes avaliados: maior número de consultas ambulatoriais, maior amplitude da taxa de filtração glomerular estimada (eGFR) e idade (< 24 anos e entre 65 e 70 anos).

Em entrevista ao Medscape, o Dr. Mateus destacou que esses resultados têm relevância clínica. "Pacientes com frequentes consultas ambulatoriais tendem a apresentar quadros clínicos mais complexos. A variação na eGFR pode indicar deterioração da função renal, aumentando o risco de eventos graves. Já entre os jovens (< 24 anos), a hospitalização pode estar relacionada ao diabetes tipo 1 e a episódios de cetoacidose diabética, frequentemente decorrentes da não adesão ao tratamento”, explicou.

Quanto ao maior risco de hospitalização na faixa etária entre 65 e 70 anos, o especialista ressaltou que não foram identificados fatores específicos para explicar essa diferença em relação a pacientes acima de 70 anos.

Possíveis impactos da implementação de IA

Para o Dr. Mateus, ao identificar precocemente pacientes de maior risco, os modelos preditivos podem viabilizar intervenções direcionadas antes da necessidade de hospitalização. Segundo o especialista, essa estratégia pode “otimizar o uso de recursos, priorizando atenção e acompanhamento intensivo para os casos mais complexos; reduzir internações evitáveis, diminuindo custos diretos (hospitalizações) e indiretos (absenteísmo); e melhorar o prognóstico, pois a gestão precoce de complicações reduz a gravidade dos desfechos clínicos”.

Apesar das vantagens, ele ressalta que a ampla adoção desses modelos envolve custos de desenvolvimento, implementação, treinamento e manutenção, além da integração com sistemas de prontuários eletrônicos, infraestrutura tecnológica e capacitação das equipes de saúde.

Os desafios existem, mas o Dr. Mateus mantém uma visão otimista. “A incorporação pode ser viável e benéfica no Brasil, visto que o modelo demonstrou bom desempenho com dados simples e rotineiros, disponíveis em prontuários eletrônicos”, destacou. Para ele, essa abordagem tem potencial para aprimorar o cuidado ambulatorial, evitar internações desnecessárias e, a médio e longo prazo, resultar em economia para o sistema de saúde e melhora nos desfechos dos pacientes.

Como a comunidade médica avalia a iniciativa

Também consultamos o Dr. Márcio Krakauer, coordenador do Departamento de Saúde Digital, Telemedicina e Inovação em Diabetes da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), sobre o tema.

Para o especialista, o estudo da UFRGS reforça conhecimentos já consolidados. "Indivíduos obesos, fumantes, hipertensos e com diabetes, pressão arterial e colesterol descontrolados apresentam maior risco de internação quando esses quadros persistem por longos períodos”, destacou.

Segundo ele, o diferencial do estudo foi demonstrar que a análise de dados de prontuários médicos por meio do aprendizado de máquina e IA podem identificar os pacientes com maior risco de hospitalização.

Além disso, o especialista apontou um dado preliminar que poderia ser aprofundado futuramente. "Por exemplo, seria possível utilizar esses dados em uma população específica. Metade dos pacientes identificados poderia receber acompanhamento mais frequente, comparecer a mais consultas e ter maior atenção à adesão ao tratamento e ao engajamento. A outra metade não receberia essa abordagem intensiva. Posteriormente, poderíamos avaliar se o modelo realmente conseguiu prever e prevenir internações”, explicou.

Apesar dos desafios, o médico considera viável a implementação de modelos preditivos desse tipo no Brasil.

Segundo ele, a possibilidade de identificar pessoas com maior risco em grandes populações no SUS, hospitais e ambulatórios permitiria avaliações mais frequentes, gerando potencial economia para o sistema de saúde.

“Acredito muito na tecnologia e na IA como ferramentas para a gestão eficiente da saúde da população. Isso é muito promissor”, destacou.

Referências

  1. Deina C, Fogliatto FS, Reis MAD, Schaan BD. Machine learning for high-risk hospitalization prediction in outpatient individuals with diabetes at a tertiary hospital. Arch Endocrinol Metab. 2025 Apr 15;69(2):e230348. doi: 10.20945/2359-4292-2024-0317.

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