Ester Tavares foi oradora da 30ª turma na cerimônia de colação de grau, realizada no auditório do Campus Mucambinho da Universidade Federal do Ceará (UFC) no dia 11/06/2025.
Boa noite a todos.
Gostaria de saudar, inicialmente, o Magnífico Reitor da Universidade Federal do Ceará, professor Custódio Almeida, em nome de quem cumprimento todos os integrantes da mesa.
E estendo minha saudação aos meus colegas formandos, com quem compartilho essa trajetória e esta conquista,e também a todos os familiares, amigos e acompanhantes, cuja presença e apoio tornaram possível chegarmos até aqui.
É com imensa alegria,gratidão e honra que subo a este palco hoje para representar uma turma que sonhou, lutou e, finalmente, conquistou. Depois de 6 anos de desafios e intenso crescimento,chegamos aqui.Finalmente,concretizamos a famosa pergunta: “O que você quer ser quando crescer?”
Meus amigos, somos médicos.
Estamos aqui, cercados por pessoas importantes. Pessoas que acreditaram em nós desde o início, que nos chamaram de doutores e doutoras antes mesmo de sabermos diferenciar um murmúrio vesicular de um estertor crepitante. E hoje, diante de tantas memórias, responsabilidades e sonhos, me pego tentando traduzir em palavras o que foi viver a Medicina nesses últimos anos. E confesso: é quase impossível.
Penso,então,em começar fazendo um convite: vamos viajar juntos por esses últimos seis anos…Na verdade, acho que podemos começar um pouco antes.
Nesses minutos finais como estudantes de Medicina, alguns de vocês devem estar lembrando da infância, quando a brincadeira preferida era usar um estetoscópio de brinquedo para examinar bonecas. Outros decidiram um pouco mais tarde e conseguem lembrar dos anos de estudo intensivo, da rotina puxada, das noites em claro tentando conquistar a tão sonhada vaga no Enem. Há ainda quem veio de outra graduação — que um dia teve a coragem de parar, olhar para dentro e dizer: “Não é isso que me faz vibrar. Eu quero ser médico.”E há quem já tenha tido uma carreira, um diploma, anos de trabalho, construído uma família…mas que, em algum momento, voltou àquela pergunta da infância: “O que eu quero ser quando crescer?” E decidiu responder, com toda a força e maturidade de quem já viveu muito: “Eu quero ser médico.”
E sabe o que é
mais bonito nisso tudo? Não importa em qual dessas histórias você se encaixa.
Hoje, estamos todos realizando o mesmo sonho. Mostrando que nunca é tarde para fazer
o que se ama. Mostrando que a caminhada pode ser longa, mas o destino vale cada
passo.Momento da cerimônia de colação de grau da 30ª turma no auditório Campus Mucambinho
Voltemos, então, ao início dos 6 anos. Ao dia da aprovação, quando a ansiedade nos fazia atualizar a página do Sisu a cada dois minutos. Até que, finalmente, apareceu diante dos nossos olhos: o nosso nome, a nossa vaga, na Universidade Federal do Ceará - Campus Sobral. O que parecia tão distante, o que demandou tanto esforço e dedicação, tantas renúncias, estava apenas começando.
Mas, apesar de estarmos vivendo o sonho que carregamos por tanto tempo, seria injusto romantizar todo esse percurso. Porque a verdade é que, para trilhar esse caminho, deixamos muito para trás. Para muitos de nós, isso significou partir. Deixar a cidade natal, o abraço dos pais, o cheiro de casa. Trocar a segurança do conhecido pela solidão de uma cidade estranha, com hábitos diferentes e uma rotina que nos moldava aos poucos, pedindo mais do que sabíamos dar,ensinando o caminho enquanto nos fazia caminhar.
Outros continuaram morando com suas famílias, é verdade — mas, mesmo estando presentes, precisaram se fazer ausentes. Quantos aniversários assistidos por videochamada? Quantas conversas adiadas? Quantas refeições perdidas? Quantas dolorosas e repetidas despedidas aos finais de semana? Mas foi ali,mesmo com as dificuldades e as inseguranças do desconhecido, que algo em nós permanecia firme: a certeza de estarmos fazendo o que amamos.
E assim avançamos pelo Ciclo Básico.
Foram semestres intensos, desafiadores e marcantes. Agora já sabíamos o nome de cada um dos 206 ossos, suas inserções, acidentes anatômicos e relações. Memorizamos os centenas de músculos,suas ações, origens e inervações. Mapeamos artérias, veias, vasos linfáticos, plexos e trajetos milimetricamente. Mergulhamos na fisiologia dos sistemas, fascinados com a precisão do corpo humano — como tudo está integrado, como o menor sinal gera um a resposta, como cada célula parece saber exatamente o que fazer.E assim, encantados com a complexidade e a beleza da “máquina humana”, sentimos que estávamos prontos para dar o próximo passo: o Ciclo Clínico.
Aqui, as especialidades ganharam forma, e o contato com o paciente ganhou suas horas extras. Foi quando começamos a sair da teoria e mergulhar na prática. Lembramos com carinho da primeira anamnese, do primeiro exame físico, das primeiras hipóteses diagnósticas rabiscadas com insegurança nos prontuários.
E, entre um turno e outro, com a turma agora em menor número, aprendemos que cuidar da vida exige também cuidar uns dos outros. Foi assim que fortalecemos laços que levaremos para sempre:colegas que viraram irmãos, companhias de estudo que viraram família, amizades que sobreviveram ao cansaço e às incertezas. Desconhecidos que viraram casa.
E, de repente, como num piscar de olhos, chegou o tão esperado Internato.Viveríamos intensamente a Medicina por incontáveis horas nos próximos dois anos, e não imaginávamos nem metade do que nos esperava.
Foi aqui que nos tornamos parte da equipe, e sermos chamados de doutores e doutoras passou a carregar uma responsabilidade maior. Foi aqui que tivemos o privilégio de fazer a diferença, mesmo que em pequenas ações. E ainda lembramos do brilho em nossos olhos ao ouvir um“obrigado, doutor”,dito com sinceridade por um paciente — palavras essas que nos devolviam a certeza de estarmos no caminho certo. Foi aqui também que os elogios dos nossos staffs ganharam um novo significado: ser parabenizado já não era apenas um motivo de orgulho, era um sinal de que estávamos, pouco a pouco, nos tornando os profissionais que sonhamos ser.
E, recordando cada rodízio, lembramos da Cirurgia,onde aprendemos que o cuidado não começa no bisturi nem termina na última sutura. Ele começa no acolhimento do pré-operatório, se estende ao intra e ganha ainda mais sentido no pós — quando finalmente vemos o impacto real da nossa atuação.
Saindo do mundo verde dos centros cirúrgicos, caminhamos para as lembranças do arco-íris da Pediatria. Agora não estávamos mais auscultando os focos cardíacos aórtico, pulmonar, tricúspide e mitral — escutávamos primeiro o coraçãozinho da mamãe…ou do ursinho de pelúcia, para ganhar a confiança antes de tocar o do nosso mini paciente. Temíamos não saber lidar com o sofrimento de seres tão pequenos, tão inocentes, tão imerecedores de tamanha dor. Mas, então, vivenciamos como eles lidam com a própria dor e, nossa, como aprendemos!
Seguimos, então, para Ginecologia e Obstetrícia, onde vivenciamos alguns dos momentos mais delicados da nossa formação. Acompanhamos a tensão de cardiotocografias alteradas, cesáreas de emergência, gestantes que estavam bem pela manhã, complicarem gravemente à tarde. Mas foi, também, onde presenciamos o milagre da vida acontecer — o instante em que alguém literalmente "dá à luz" e transforma a energia da sala inteira.
Caminhamos, então, pelos corredores da Clínica Médica, onde se entrelaçam o raciocínio clínico e a arte da escuta. Encontramos mestres que, com olhos atentos aos sintomas-guia e ouvidos sensíveis às entrelinhas da história, desvendavam mistérios e construíam caminhos que levavam ao alívio, à cura. Foi ali que aprendemos o valor da investigação cuidadosa, da semiologia que sussurra respostas, e do exame complementar que confirma o que a clínica já dizia. Nesse período, também passamos pela emergência, onde sentimos o pulso do tempo apertar e aprendemos, diante disso,a manter a calma e o raciocínio afiado.
Por fim, recordamos o rodízio de Saúde Comunitária. Onde, na Psiquiatria, acolhemos histórias em sua forma mais crua e humana, e ali percebemos o quanto escutar é, também, um gesto de cura. E, na UBS, vivenciamos momentos em que os atendimentos ganharam rostos que se tornaram familiares, e compreendemos a beleza do cuidado continuado.
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Prof. Paulo Lacerda e Gerardo Cristino e o Reitor Prof. Custódio |
E, de repente, não conseguimos nem acreditar…chegamos ao fim.
O fim do Internato. O fim do curso de Medicina. Foram anos intensos, desafiadores, transformadores. Dias longos, noites em claro, lágrimas, risos, medos e conquistas. Encerramos uma etapa que não foi apenas acadêmica — foi uma etapa de vida!
Hoje, somos oficialmente a 30° turma de médicos formados pela Universidade Federal do Ceará–Campus Sobral. Uma faculdade acreditada pelo Sistema de Acreditação das Escolas Médicas (SAEME), do Conselho Federal de Medicina (CFM), faculdade que conquistou o 2º lugar geral do estado no Enade, entre oito instituições avaliadas, e que recebeu com orgulho a tão sonhada nota 5 no MEC.
Lugares
que se fizeram casa.
E há tantos agradecimentos a serem feitos…Mas, antes de representar a turma como um todo, permitam-me um agradecimento pessoal.
Agradeço a Deus por me fortalecer nos momentos difíceis e me permitir chegar até aqui. Em cada lembrança que hoje revivo, reconheço Sua presença constante, discreta e fiel. Nada disso seria possível sem Ele.
Agora, em nome da turma, expresso nossa mais sincera gratidão aos mestres que cruzaram nosso caminho — desde os primeiros anos do ensino fundamental até os últimos dias da graduação, a figura do professor foi, e sempre será, essencial na construção de quem nos tornamos. E, durante esses 6 anos, tivemos o privilégio de passar por profissionais comprometidos em moldar futuros, transformar realidades e nos preparar com excelência. Ao ponto de, como discursa um grande mestre na emergência, confiarem nossas mãos um familiar seu .A todos eles,o nosso mais sincero agradecimento.
Agradeço aos familiares e colegas, que dividiram angústias e conquistas, com apoio e esperança. E, em especial, agradeço aos que chamamos de família —para alguns, pais e irmãos; para outros, avós, tios, esposo ou esposa. Vocês, que acompanharam cada lágrima derramada, seja de alegria ou de tristeza,e que nos deram forças para continuar. Vocês, que acreditaram, mesmo quando nós mesmos duvidamos. Que não mediram esforços para que pudéssemos viver os nossos sonhos, mesmo que isso custasse os seus. Vocês, que esperaram ansiosos a nossa chegada a cada momento de voltar para casa e que sustentaram a angústia ao nos deixar partir, para nos permitir viver o que nos fazia vibrar. Cada passo dessa caminhada carrega um pedaço de vocês. Essa conquista é nossa! Desfrutaremos juntos!
A cada um de vocês, meu mais sincero obrigada.
E finalizo apelando aos meus colegas por meio de um texto que me deparei nesses últimos dias, com o seguinte título: “Por que os médicos são estranhos?”. Nele, dizia que conversamos com naturalidade sobre hemorragias, amputações e paradas cardíacas. Que discutimos protocolos diante da morte como quem organiza uma rotina qualquer. Que parecemos frios. Parecemos não sentir. Mas, a essa altura, já compreendemos que precisamos ser fortes para dar a notícia que fere — mas que tudo bem se, depois, no silêncio do plantão, deixarmos as lágrimas caírem. Porque ser forte e um excelente médico não é sobre não sentir; é sobre conseguir continuar, mesmo sentindo tanto.
E, no final das contas, meus amigos, aprendemos que somos tão limitados! Dedicamos anos de estudos, nos especializamos, conhecemos o nome da menor molécula do corpo e para que serve, mas, ainda assim, nem sempre conseguiremos salvar todos. E isso dói.
Mas, Ester,então o que estamos fazendo aqui?Ester Tavares oradora da 30ª turma
Lembram do“eu” de vocês lá do começo?Aquele que tremia de emoção ao vestir o primeiro jaleco, que sonhava em fazer a diferença? Lembram do primeiro obrigada” de um paciente? Do impacto do primeiro elogio de um staff?
Lembram das promessas silenciosas que fizemos a nós mesmos —de sermos diferentes, de sermos humanos, de darmos o nosso melhor? O nosso “eu” do passado estaria orgulhoso de onde chegamos.
Não deixem que a rotina roube essa essência.Que o cansaço apague esse brilho.Que o sistema endureça o que em nós ainda pulsa de verdade.
Finalizo dizendo, com orgulho, pois acredito que faremos a diferença: Meus amigos, somos médicos.
Muito obrigada.
Ester Tavares de Lima
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