segunda-feira, 10 de março de 2025

Remissão do diabetes tipo 2: um objetivo distante (Matéria Medscape)

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Por: Débora M. G. Cunha

A possibilidade de remissão do diabetes tipo 2 tem sido amplamente debatida nos últimos anos e impulsionada por estudos que investigam os efeitos da restrição calórica e da perda de peso no controle glicêmico. No entanto, especialistas alertam que alcançar níveis normais de glicemia e hemoglobina glicada não significa necessariamente reverter a doença.

"No momento do diagnóstico, aproximadamente 50% da função das células beta já está comprometida. Muitas dessas células morrem por apoptose e não podem ser recuperadas", explica o Dr. Luciano Giacaglia, endocrinologista e coordenador do Departamento de Diabetes Tipo 2 e Pré-Diabetes da Sociedade Brasileira de Diabetes. "Por isso, quando falamos em remissão, precisamos diferenciar um controle temporário de uma reversão real da doença.”

O conceito de remissão, amplamente utilizado em pesquisas clínicas, ainda gera questionamentos. Para o Dr. Luciano, essa terminologia pode criar a falsa impressão de cura. “A remissão é definida como a manutenção da glicemia abaixo de 6,5% sem uso de medicação. No entanto, isso não significa que o paciente esteja livre das complicações metabólicas. A disfunção pancreática e a resistência insulínica continuam sendo desafios constantes.”

Embora a progressão do diabetes tipo 2 possa ser desacelerada, sua reversão completa ainda não é uma realidade. Algumas classes terapêuticas, como os inibidores do cotransportador de sódio-glicose tipo 2 (SGLT2) e os agonistas do receptor do peptídeo 1 glucagonoide (GLP-1), demonstram impacto na evolução da doença, mas nenhuma delas oferece uma cura definitiva. Esses tratamentos retardam a falência das células beta pancreáticas e postergam a necessidade de insulina, mas não impedem a progressão do quadro, afirma Dr. Luciano em entrevista ao Medscape.

Além da dificuldade em manter o controle glicêmico, a perda de peso também não garante a restauração da função pancreática. "O pâncreas humano tem uma capacidade de regeneração extremamente limitada. Diferente de algumas espécies animais, como os ratos, nós não temos células germinativas nas ilhotas pancreáticas que poderiam se transformar em novas células beta", esclarece o Dr. Luciano.

Dessa forma, mesmo com estratégias eficazes para reduzir a resistência insulínica, o diabetes tipo 2 continua a evoluir na maioria dos pacientes.

O que dizem as pesquisas

DiRECT, um ensaio clínico conduzido no Reino Unido, avaliou a eficácia de uma dieta muito pouco calórica (825 a 853 kcal/dia) por até cinco meses, seguida por reintrodução alimentar e suporte contínuo para manutenção do peso. Após 12 meses, 46% dos participantes do grupo de intervenção foi considerado em remissão da doença, enquanto no grupo controle essa taxa foi de apenas 4%. No entanto, apenas 26% deles mantiveram essa remissão sem necessidade de medicação após cinco anos.

O Dr. Wellington Santana Júnior, diretor do Departamento de Diabetes da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, ressalta que a perda de peso é um fator determinante para a melhora do controle glicêmico. Pacientes que perderam mais de 15 kg tiveram uma taxa de remissão de 86%, enquanto aqueles com perda entre 5 e 10 kg atingiram 34%. No entanto, ele alerta que os dados de longo prazo indicam que a maioria dos pacientes não consegue sustentar esses resultados.

Outro estudo analisou o impacto da dapagliflozina, um inibidor de SGLT2, combinada à restrição calórica. O ensaio clínico, realizado na China, incluiu 328 pacientes e demonstrou uma taxa de remissão de 44% no grupo que utilizou o medicamento versus 28% no grupo placebo.

Para o Dr. Luciano, os achados devem ser interpretados com cautela. "A fisiopatologia do diabetes tipo 2 na população oriental é completamente diferente da ocidental. Estamos falando de doenças distintas", explica. Além disso, o estudo focou apenas nos níveis de glicemia, sem avaliar a função pancreática. "Se o critério for apenas glicose, qualquer classe terapêutica pode produzir esse efeito."

Ele destaca a dificuldade de replicar esses resultados na prática clínica. "Os estudos são altamente controlados, com monitoramento rigoroso e suporte contínuo. No mundo real, manter uma dieta restritiva é um grande desafio", enfatiza.

"O corpo responde à perda de peso reduzindo o metabolismo basal e aumentando a fome, tornando a manutenção dos resultados extremamente difícil”, complementa o Dr. Wellington. Para melhorar a adesão, suporte multidisciplinar, com acompanhamento médico, nutricional e psicológico é fundamental.

Termo enganoso

Apesar dos avanços, a remissão do diabetes tipo 2 ainda está longe de ser uma realidade para a maioria dos pacientes. Além disso, os estudos não conseguem avaliar a regeneração das células beta pancreáticas em seres humanos, pois essa análise só é possível em modelos in vitro ou em animais de laboratório. Assim, o termo "remissão" pode ser enganoso, já que não há garantia de recuperação da função pancreática, mas apenas uma melhora temporária dos parâmetros glicêmicos.

Vale lembrar que a restrição calórica não é eficaz para todos. "Pacientes com menor tempo de diagnóstico (preferencialmente menos de 5 anos), sem necessidade de insulina, com sobrepeso ou obesidade e que mantêm peptídeo C preservado têm maior chance de sucesso", explica o Dr. Wellington. Já aqueles com diabetes de longa duração, formas autoimunes da doença, como o diabetes tipo 1, ou com deficiência grave de insulina dificilmente se beneficiam da estratégia.

O Dr. Luciano reforça a importância do diagnóstico precoce, especialmente na fase de pré-diabetes. "Estudos mostram que já no pré-diabetes ocorre uma perda de 20% a 30% das células beta. Se queremos falar em remissão, o momento ideal para intervir é no pré-diabetes", afirma.

Ele também questiona o uso do termo "remissão", que pode dar a falsa impressão de que o problema foi resolvido. "Sabemos que isso não é verdade. Muitos pacientes que passaram por cirurgia bariátrica, por exemplo, acabam tendo diabetes novamente. Não há uma cura, apenas um retardo na progressão da doença.”


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