quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Pesquisa da UFC aprimora tratamento contra câncer colorretal

Cientista mulher utilizando pipeta sobre bancada, com cientista homem observando atrás dela
A pesquisa investigou a predisposição de alguns pacientes a efeitos colaterais
 negativos do medicamento irinotecano (Foto: Viktor Braga/UFC
)

 

Trabalho identificou o que torna algumas pessoas mais suscetíveis aos efeitos colaterais do principal medicamento para esse tipo de câncer

Pesquisadores dos laboratórios de Farmacologia da Inflamação do Câncer e de Citogenômica do Câncer, ambos da Universidade Federal do Ceará, conseguiram identificar os fatores que tornam parte da população mais suscetível aos efeitos colaterais da quimioterapia contra o câncer colorretal. Esses efeitos são tão graves que alguns têm de interromper o tratamento.

Uma vez descoberto isso, os pesquisadores querem aplicar a “medicina de precisão” para identificar previamente esses pacientes e definir um tratamento personalizado. O trabalho foi feito em parceria com o Laboratório de Biologia Molecular e Genética, do Instituto do Câncer do Ceará; além de outras universidades e instituições. 

O câncer colorretal se localiza na parte final do intestino. Ele atinge principalmente pessoas com mais de 50 anos e, se detectado cedo, tem alto índice de cura. O tratamento inclui quimioterapia, radioterapia e cirurgia.

Um dos problemas encontrados, no entanto, são os efeitos colaterais do irinotecano, um dos fármacos mais utilizados na quimioterapia para esse tipo de câncer. Entre 15% e 25% dos pacientes que utilizam esse medicamento desenvolvem casos de diarreia grave – que é quando ocorrem pelo menos sete episódios de diarreia líquida por dia.

“É algo que pode gerar intensa desidratação e desequilíbrio no organismo como um todo. O paciente pode vir a óbito devido a essa toxicidade: ele não morreria do câncer, mas dos efeitos colaterais da quimioterapia”, explica o Prof. Roberto Lima Júnior, um dos coordenadores do Laboratório de Farmacologia da Inflamação do Câncer. “É um paradoxo. Você trata o paciente e, por conta desse tratamento, ele vai desencadear efeitos colaterais que o colocam nessa situação (de diarreia grave)”, diz a pesquisadora Deysi Wong, professora visitante do Departamento de Patologia e Medicina Legal da UFC e principal responsável pelo estudo.

QUESTÃO GENÉTICA

A partir da análise genética de voluntários, os pesquisadores conseguiram identificar que pacientes com variações moleculares em um receptor celular chamado toll-like 4 são predispostos a desenvolver esse tipo de reação de diarreia grave quando em contato com o irinotecano.

A situação é mais ou menos assim: a quimioterapia é utilizada para destruir as células tumorais, mas, nesse processo, destrói também células saudáveis que fariam a proteção da mucosa intestinal. Sem essa primeira linha de defesa, bactérias que normalmente existem no intestino passam a invadir outros tecidos. A função dos receptores toll-like 4 é identificar essas infecções, se acoplar a essas bactérias e iniciar um processo inflamatório de baixo grau, benéfico, importante para “conter” as invasões. 

Na maioria dos pacientes, isso resulta em um quadro de diarreia leve e controlável. Mas há pacientes que apresentam o chamado polimorfismo genético, uma variação na sequência destes receptores, que os impedem de se defender da invasão.

“Imagine um quartel que em toda esquina fica aquele sentinela prevenindo quadros de invasão – o toll-like 4 funciona da mesma maneira. Ele é capaz de reconhecer a bactéria que está invadindo e deflagrar uma inflamação que erradique a presença daquela bactéria. O problema é quando esse soldado está vendado ou distraído, e não reconhece o invasor. Isso propicia um agravo da colonização dessas bactérias nos tecidos e, portanto, uma inflamação muito mais intensa do que a que ocorreria”, explica o Prof. Roberto Lima Júnior. 

O Prof. Roberto Lima Júnior e a Profª Deysi Wong na frente de um computador; ela aponta para a tela
O estudo é coordenado pelo Prof. Roberto Lima Júnior e pela Profª Deysi Wong (Foto: Viktor Braga/UFC)

O estudo acaba de ser publicado na importante revista internacional British Journal of Pharmacology. Para chegar a essa constatação, os pesquisadores coletaram o DNA de pacientes em tratamento contra o câncer colorretal e realizaram o mapeamento dos genes. Os resultados foram, então, comparados aos efeitos colaterais que cada um dos pacientes estava sentindo.

Também foram feitos testes com animais. Nesses casos, os testes foram feitos com camundongos que tinham o toll-like 4 normal e também com aqueles que tiveram o gene modificado para impedir que eles produzissem esse receptor. Com isso, os pesquisadores confirmaram que a ausência do toll-like 4 agravou a diarreia dos camundongos.

LOTERIA DOS GENES

Isso significa que o que vai definir se uma pessoa vai ou não desenvolver essa reação exacerbada são fatores genéticos. Uma loteria, portanto. Os pesquisadores querem agora incorporar a chamada “medicina de precisão” no tratamento do câncer colorretal. “A ideia, a partir desse trabalho, é ir para a inovação: fazer o teste de polimorfismo de toll-like 4 em todo paciente com câncer colorretal que vá receber a quimioterapia e verificar se ele vai ter essa predisposição ao desenvolvimento de diarreia severa”, explica a Profª Deysi.

Em caso positivo, os médicos buscariam um fármaco alternativo para a quimioterapia. “Para cada câncer, existem os regimes de quimioterapia prediletos, combinações de fármacos que geram os melhores resultados para aqueles tipos de câncer. No caso do câncer colorretal, existem vários protocolos que podem ser utilizados excluindo o irinotecano”, exemplifica o Prof. Roberto Lima Júnior, citando, como exemplo, o possível uso de terapias-alvo.

Essa incorporação de testes à rotina hospitalar já ocorre em outros tipos de câncer. O Prof. Roberto cita o caso do cetuximabe, fármaco que integra o conjunto das terapias-alvo. Ele é utilizado no tratamento de pacientes com tumores na cabeça e pescoço recorrente e em pacientes com câncer colorretal com metástases. “Esse fármaco só vai ser utilizado se antes o paciente passar por um teste genético para identificar variações de uma molécula chamada K-Ras. Se ela estiver alterada, o paciente não usa o cetuximabe”, explica o Prof. Roberto.

Em resumo, identificar o conjunto de variações genéticas de um pacientes antes de iniciar o tratamento é útil para definir qual responderá melhor aos procedimentos, com o mínimo de efeitos colaterais possíveis.

OS AUTORES

A pesquisa envolveu uma rede de pesquisadores de vários grupos distintos. Entre eles, três cursos de pós-graduação da UFC (Farmacologia, Patologia e Ciências Farmacêuticas); o Laboratório de Farmacologia da Inflamação do Câncer e  o de Citogenômica do Câncer (ambos da UFC); o Laboratório de Biologia Molecular e Genética e pesquisadores do Hospital Haroldo Juaçaba, do Instituto do Câncer do Ceará; o Serviço de Oncologia do Hospital Universitário Walter Cantídio, além da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, e do Instituto de Biociências da Universidade estadual Paulista (UNESP). 

Equipe dos laboratórios reunidas: 7 cientistas (apenas um homem) enfileirados posando para a foto no ambiente de laboratório
A pesquisa é feita nos laboratórios de Farmacologia da Inflamação do Câncer e de Citogenômica do Câncer (Foto: Viktor Braga/UFC)

O trabalho é assinado pelos pesquisadores Deysi Wong, Renata Holanda, Aurilene Cajado, Alessandro Bandeira, Jorge Fernando Pereira, Joice Amorim, Clarice Torres, Luana Maria Ferreira, Marina Helena Lopes, Roberta Germano Oliveira, Anamaria Pereira, Rosane Sant’Anna, Larissa Arruda, Howard Ribeiro Júnior, Ronald Pinheiro, Paulo Roberto Almeida, Robson Carvalho, Fábio Chaves, Duílio Rocha Filho, Fernando Cunha e Roberto César Lima Júnior.

O estudo contou com financiamento da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP), do Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Fonte: Prof. Roberto Lima Júnior, coordenador do Laboratório de Farmacologia da Inflamação do Câncer da UFC – e-mail: robertocesar@ufc.br

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