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Quando se trata de violência doméstica contra mulheres, os números também são assustadores. Conforme dados publicados no Panorama da Violência Contra as Mulheres no Brasil[2], do Observatório da Mulher Contra a Violência, só em 2015 foram registrados mais de 75 mil atendimentos a mulheres vítimas de violência, sendo que 50,16% deles corresponderam a violência física, 4,54% a violência sexual e 5,17% a cárcere privado. Até o final de 2017 tramitavam 1.273.398 processos referentes à violência doméstica no país[3].
Mesmo com a Lei Maria da Penha, que entrou em vigor em setembro de 2006 para coibir a violência doméstica e familiar prevenindo a perpetuação do ciclo de violência e punindo os responsáveis por estes atos, os casos de feminicídio continuam em crescimento. Dois exemplos recentes ilustram o cenário. O primeiro foi a morte da advogada paranaense Tatiane Spitzner, que foi espancada repetidas vezes pelo marido e em seguida encontrada morta em decorrência da queda do quarto andar do prédio em que morava o casal. O segundo caso emblemático foi o da corretora de imóveis Karina Garofalo, assassinada a mandado do ex-marido porque, de acordo com as investigações até o momento, o casal brigava na Justiça por uma partilha de bens e o ex-marido não aceitava que Karina estivesse em um novo relacionamento.
Amplamente comentados nas redes sociais, os casos geraram protesto para combater o dito popular em que "em briga de marido e mulher não se mete a colher". A hashtag #metaacolher ou suas variações, como #metaacolhersim, tiveram grande divulgação recentemente. Os casos suscitaram indignação, mas também dúvidas sobre os limites e consequências legais da intervenção de terceiros em uma situação de violência doméstica.
Médico pode "meter a colher", mas há regras para evitar processos
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De acordo com coordenador do Núcleo de Violência Sexual do Hospital Pérola Byington, Dr. André Malavasi, é importante que o médico preste atenção a vários detalhes durante a consulta. Uma anamnese bem-feita, por exemplo, já traz indícios claros de que a mulher está sendo vítima de violência doméstica. "É importante uma anamnese ampla, com escuta ativa. Precisamos deixar a mulher falar de forma livre e espontânea, e prestar atenção aos sinais indiretos para perceber o grau de ansiedade em que ela se encontra", diz o Dr. Malavasi.
"Todas as informações devem ser colocadas no prontuário, pois, de acordo com a lei e com o Conselho Federal de Medicina (CFM), o prontuário é um instrumento sigiloso", diz.
"O médico deve ter essa perspicácia, essa sensibilidade de identificar os sinais indiretos de medo", diz Dr. Malavasi. Perguntas mais direcionadas podem ser feitas durante a anamnese. Não há restrições sobre perguntar abertamente se a paciente sofreu violência, por exemplo. Como o exame físico pode ser feito em um local reservado, o ideal, de acordo com o Dr. Malavasi, é que o médico peça para o eventual acompanhante se retirar e chame uma acompanhante da enfermagem para que o exame seja feito em conjunto.
"Nesse momento, o médico deve reforçar objetivamente alguns pontos para tentar ver, com a experiência dele, se a pessoa está sendo ameaçada pelo companheiro ou companheira, já que quando se trata de violência, não há gênero".
O especialista explica que o exame físico é a condição ideal para verificar se a paciente está mentindo, já que várias chegam ao atendimento alegando que as marcas físicas são decorrentes de tombos. Procurar identificar até mesmo se a paciente está sofrendo cárcere privado, por exemplo, é fundamental, pois pode ser aquele o momento em que ela pode ser libertada, diz Dr. Malavasi.
A falta de confiança no médico é um problema para que a paciente conte sobre a violência que sofreu. É nesse momento que o profissional deve, de acordo com Dr. Malavasi, reforçar a questão do sigilo médico.
"É preciso falar de formas diferentes para que a paciente tenha plena compreensão de que as informações que vai passar serão utilizadas para fins terapêuticos, e só serão divulgadas caso ela autorize", diz.
Se autorizado pela paciente, o médico pode, sim, denunciar que a mulher sofreu violência doméstica. Quando a paciente confessa e autoriza a quebra do sigilo, diz o Dr. Camarim, o médico deve documentar essa autorização no prontuário. O profissional, então, pode prestar queixa por meio da instituição onde a paciente foi atendida.
"A violência não deve ficar impune. Às vezes as pessoas têm muito medo de denunciar, principalmente em casos de violência doméstica", diz o Dr. Camarim.
"A vítima não deve demorar para denunciar e fazer o exame de corpo de delito, já que a lesão pode desaparecer com o tempo", aconselha.
Se o médico quebrar o sigilo sem a autorização da paciente, pode sofrer medidas legais.
Violência sexual
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"É importante ressaltar à paciente que ela conte a cronologia dos fatos, pois isso tem relação direta com a profilaxia de hepatite, HIV, sífilis, além da própria contracepção de emergência, que é feita idealmente em até 72 horas do ocorrido", explica o Dr. Malavasi.
Tanto no exame geral quanto no ginecológico, é imprescindível que o médico descreva detalhadamente todas as lesões e, na ausência delas, informe que não foram encontradas lesões.
O Dr. Malavasi explica que há um problema com a ordem em que os exames são realizados. Segundo ele, o ideal é que, em casos de violência sexual, o corpo de delito e o exame ginecológico sejam feitos na mesma hora, no intuito de não provocar mais desconforto em uma paciente que enfrentou uma violência recentemente.
Se a paciente procurou primeiro o serviço ginecológico, é importante que o médico a oriente a ir imediatamente depois fazer boletim de ocorrência e exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal (IML).
Lei ampara quando a violência é com menor de idade
Se o médico tem suspeita de que a criança ou adolescente que está à sua frente sofreu violência doméstica, deve seguir todo o procedimento de uma consulta padrão, com o exame físico."A orientação é que se faça todo o exame físico e se preencha o prontuário detalhadamente com todos os graus das lesões, as informações sobre essa suspeita, e deixe arquivado, pois posteriormente pode haver um pedido judicial para que esses dados sejam liberados", explica o presidente do Cremesp.
Paralelamente a isso, a orientação é comunicar o caso – ou o indício – ao conselho tutelar.
"Nesse caso não há quebra do sigilo médico, já que há exceção quando é por justa causa ou dever legal. O médico, então, está amparado para comunicar a autoridade competente, para que esta tome as medidas cabíveis", orienta o Dr. Camarim.
Fonte: Medscape
por: Elioenai Paes
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