terça-feira, 26 de setembro de 2017

Vírus Oropouche: a nova dengue?

Foto: Reprodução
Nas últimas semanas a população brasileira vem vivendo um novo temor relacionado à saúde: o vírus Oropouche (OROV). A apreensão tornou se global depois que o jornal americano The New York Times[1] publicou uma reportagem alertando que o vírus, normalmente confinado à região amazônica, estaria chegando a áreas urbanas do país, como o Planalto Central e Nordeste.

O alerta foi dado pelo infectologista Dr. Luiz Tadeu Moraes Figueiredo, professor da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, durante palestra na Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, cuja cobertura jornalística[2] foi posteriormente divulgada por um serviço de alerta americano[3]. Não demorou muito para que a publicação da notícia causasse temor em uma população ainda preocupada com a epidemia de zika no país. Há motivos para inquietação? Trata-se de um vírus novo?

Alerta
A doença pode ser grave. Na edição de setembro do International Journal of Infectious Diseases,[4]pesquisadores da Universidade Federal de Goiás e da Fundação de Medicina Tropical do Estado de Amazonas destacam o espectro clínico de doenças atribuídas ao vírus de Oropouche (OROV), que vai de casos subclínicos a doença grave, com relato de casos de meningite asséptica.

Outro motivo de apreensão é o potencial de disseminação geográfica do vírus. "A maioria das epidemias de OROV se deu principalmente na região norte do Brasil, incluindo cidades como Belém. Portanto, existe a preocupação e, até pela falta de estudos, a propagação do vírus em outras regiões não está descartada", disse ao Medscape o Dr. Marcos Moreli, autor do trabalho.

"A replicação do vírus depende do vetor naquela determinada região. No trabalho, fornecemos evidências de que o OROV pode estar se deslocando ou de que a migração poderia estar contribuindo para a detecção do vírus, no caso da incidência de vetores em outras regiões. É importante chamar a atenção a respeito do que encontramos no Centro-Oeste, justamente porque ainda não sabemos se os pacientes foram infectados ali mesmo. Por isso, o artigo reforça a necessidade de vigilância para dois vírus, o Mayaro e o Oropouche."

No sistema de saúde pública do Brasil ainda não há um diagnóstico preciso para os vírus Mayaro e Oropouche, com exceção dos Laboratórios de Referência. Essa dificuldade leva a um diagnóstico tardio e muitas das vezes retrospectivo. O fato de não se conhecerem dados sobre a prevalência e circulação aumenta a incerteza. As pesquisas que apontam o Oropouche como o responsável por epidemias com mais de meio milhão de casos foram feitas quase vinte anos atrás, e não há até agora, dados de circulação viral em humanos. Há, no entanto, dados recolhidos em primatas não humanos, portanto o vírus teria uma relevância epidemiológica potencial importante.

"Oropouche já é um problema de saúde pública na região amazônica e no planalto central brasileiros", diz o infectologista Dr. Figueiredo. "Ele não é reconhecido como problema no Sudeste, Nordeste e Sul, mas o vírus OROV vem ampliando suas áreas de epidemia com evidências de presença viral em Minas Gerais e na Bahia. No país todo existe o vetor (Culicoides paraenses) e o vírus encontra-se próximo, infectando animais ou trazido por seres humanos infectados. Por isso, o risco de chegada do vírus às regiões mais povoadas do sudeste e do nordeste é real".
Municípios amazônicos típicos, caracterizados por um pequeno núcleo urbano rodeado por assentamentos agrícolas e áreas de floresta, favorecem a emergência de diversos arbovírus. Já foram registrados mais de 30 surtos epidêmicos no Brasil e outros países da América Latina (Peru, Panamá e Trinidad, entre outros). Pesquisas genéticas realizadas pela equipe do Dr. Pedro F.C. Vasconcellos, do Instituto Evandro Chagas, de Ananindeua (Pará) concluem que o OROV emergiu no Brasil 223 anos atrás.

Os animais reservatórios incluem animais silvestres como a preguiça (Bradypus trydactylus) e mosquitos tais como Ochlerotatus serras. O vetor urbano é o mosquito Culicoides paraensis (maruins). Existe um outro mosquito, o Culicoides sp, que é susceptível, mas ainda não foi suficientemente investigado.
Diagnóstico

Ao exame clínico, observa-se cefaleia, calafrios, vertigem, mialgias, artralgias, fotofobia, dor retro-ocular e congestão da conjuntiva. Alguns pacientes podem ainda experimentar náuseas, vômitos e diarreias, anorexia e insônia. Esta apresentação, entretanto, não tem um grande valor diagnóstico quando se trata de áreas endêmicas com outras arboviroses, pois elas possuem quadros bastante semelhantes. Devido à natureza não específica dos sinais e sintomas, o diagnóstico clínico é difícil e pode ser confundido com dengue, febre amarela e malária.

O diagnóstico imunoenzimático tem limitações, pois produz reações cruzadas com vírus da mesma família. O diagnóstico laboratorial por isolamento viral depende de infraestrutura e pessoal especializado, disponível em poucos laboratórios brasileiros (Institutos Adolfo Lutz e Instituto Evandro Chagas).

"As universidades vêm apoiando a realização destes testes como é o caso do LabVir da Universidade Federal de Goiás, sob minha coordenação ", destaca o Dr. Moreli.

"É preciso que os médicos pensem nesta virose, e que ela entre no diagnóstico diferencial" confirma ao Medscape o Dr. Moraes Figueiredo. "Os médicos e profissionais da saúde devem estar atentos à circulação do vírus",  concorda o Dr. Moreli.
Arbovirose emergente

Em julho deste ano a pesquisadora do Laboratório Nacional de Doenças Infeciosas Emergentes (NEIDL) da Escola de Medicina de Boston, Natasha L. Tilston-Lunel, escreveu a revisão Oropouche vírus: poised for headlines?.[5] No texto ela questiona se o OROV seguirá o caminho dos vírus da dengue ou da zika.

"É difícil dizer, porém houve casos esporádicos fora da zona epidêmica original. A destruição do habitat, a urbanização e a mudança climática favorecem a transmissão. E, mesmo que o último surto no Brasil tenha sido em 2009, o surto do 2016 no Peru mostrou que o OROV não foi embora", diz ela, fazendo referência aos 57 casos de febre de Oropouche relatados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) na região de Cuzco (Peru), região onde o vírus não havia sido detectado antes.

A pesquisadora destaca mais um problema: nos vírus da Venezuela e do Peru (Madre de Dios e Iquitos ) foram identificados rearranjos de segmentos do RNA viral. Estes rearranjos têm dois segmentos de RNA, os segmentos L (Large) e S (Small) do próprio OROV, mais um terceiro segmento, o M (Medium), de um vírus desconhecido. Como o segmento M é justamente o mais envolvido na adesão e na entrada do vírus na célula, ele poderia potencialmente mudar o tropismo do vírus. E também, potencialmente, expandir o leque de hospedeiros do OROV. Em resumo, para a cientista, "a febre de OROV é uma zoonose viral emergente à qual vale a pena prestar um pouco mais de atenção".

Referências 
1. Brazil May Face a New Threat, This Time From Biting Midges. The New York Times. Disponível em: https://mobile.nytimes.com/2017/08/25/health/brazil-oropouche-mosquitos-biting-midges.html?smid=tw-nytimesscience&smtyp=cur&referer=https://t.co/QZEdeD9r9a?amp=1.
 
2. Transmitido por mosquito, vírus oropouche acende alerta de médicos no país. UOL Notícias. Saúde. 2017. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2017/07/19/transmitido-por-mosquito-virus-oropouche-acende-alerta-de-cientistas.htm.
 
3. OROPOUCHE VIRUS - BRAZIL. Promedmailorg. 2017. Disponível em: https://www.promedmail.org/post/20170824.5270872.
 
4. da Costa V, de Rezende Féres V, Saivish M, de Lima Gimaque J, Moreli M. Silent emergence of Mayaro and Oropouche viruses in humans in Central Brazil. International Journal of Infectious Diseases. 2017;62:84-85. doi:10.1016/j.ijid.2017.07.016.
 
5. Tilston-Lunel, N.L  Oropouche virus: poised for headlines? Emerging diseases, June 2017 Biochemical Society. Disponível em: http://www.biochemist.org/bio/03903/0012/039030012.pdf.

por Roxana Tabakman
Medscape

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