quarta-feira, 17 de maio de 2017

Pacientes do SUS com otite externa aguda terão acesso a gotas otológicas

Em março deste ano o Sistema Único de Saúde (SUS) incorporou ao rol de medicamentos uma associação de fármacos para o tratamento da otite externa aguda (sulfato de polimixina B 10.000 UI, sulfato de neomicina 3,5 mg/mL, fluocinolona acetonida 0,25 mg/mL e cloridrato de lidocaína 20 mg/mL). Até então, não havia alternativas farmacêuticas tópicas na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME) para esses casos, sendo a assepsia local, bem como a administração de analgésicos e antibióticos por via oral os únicos recursos disponíveis no sistema público de saúde.

A incorporação dessa associação de fármacos, que foi motivada por ação da Secretaria de Ciência Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) do Ministério da Saúde, obteve parecer preliminar desfavorável da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologia no SUS (CONITEC). Mas após consulta pública, a decisão foi alterada. Durante análise, a CONITEC avaliou resultados de revisão sistemática de dois estudos que investigaram alternativas terapêuticas disponíveis no país para otite externa aguda. Em um dos estudos[1], pacientes que foram tratados com ciprofloxacino 2 mg/mL alcançaram a cura mais rápido do que aqueles nos quais foi administrada associação entre polimixina B 10.000 UI, neomicina 3,5 mg/mL e hidrocortisona 10 mg/mL. O outro trabalho[2] mostrou que ciprofloxacino 2 mg/mL associado à hidrocortisona 10 mg/mL apresenta resultados semelhantes à associação polimixina B 10.000 UI, neomicina 3,5 mg/mL e hidrocortisona 10 mg/mL. A inclusão de mais 12 estudos que avaliaram os efeitos de medicamentos que apresentam classes farmacêuticas equivalentes no Brasil apontou maior eficácia da utilização de quinolona (ciprofloxacino ou ofloxacino) em relação à associação entre não quinolonas e anti-inflamatório esteroide (caso da associação incorporada ao SUS) em relação à cura em sete a 10 dias de acompanhamento[3].

Com relação ao custo, a CONITEC identificou que o impacto orçamentário médio por habitante para a incorporação de quinolona seria de R$0,4148, enquanto o valor para a associação entre não quinolonas e anti-inflamatório esteroide seria de R$ 0,0778[3].
Ação amplia leque, mas não é padrão-ouro

Atualmente, não há um protocolo brasileiro que oriente a conduta médica em casos de otite externa aguda. Entretanto, o uso de quinolona com corticoide é a associação recomendada pelas diretrizes da Interamerican Association of Pediatric Otorhinolaryngology (IAPO)[4].

Segundo a a Dra. Tânia Maria Sih, presidente do Departamento Científico de Otorrinolaringologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), existem medicamentos dessa categoria considerados padrão-ouro (contêm os princípios ativos ciprofloxacino e hidrocortisona) disponíveis no Brasil.

"O medicamento incorporado ao SUS é interessante, mas não é uma opção excelente. A associação adotada pelo Ministério da Saúde tem um analgésico (lidocaína), um polimicrobiano (polimixina) e um corticoide, que é anti-inflamatório (fluocinolona acetonida). O problema é que o antibiótico dessa formulação não atua sobre uma gama muito ampla de agentes microbianos. Há pseudômonas e estafilococos, por exemplo, que não são sensíveis a esse medicamento", afirmou a médica em entrevista ao Medscape.

A IAPO recomenda que as medicações tópicas sejam a terapia inicial no tratamento da otite externa aguda difusa e não complicada. Quando o canal do ouvido estiver obstruído, a administração das gotas tópicas deve ser feita juntamente com limpeza e aspiração (toalete aural), ou inserção de um tampão de merocel (ear wick), ou ambos. Analgésicos orais também podem ser prescritos com base na intensidade da dor.

 

A otalgia, principal manifestação clínica da otite externa, em geral é muito intensa, sendo mais forte do que a observada nos casos de otite média aguda. Por essa razão, a assepsia local é dificultada. "Se não eliminamos o inchaço inflamatório (edema), não conseguimos fazer a remoção do cerume e a limpeza local", explicou a Dra. Tânia. Outro aspecto importante apontado nas diretrizes da IAPO é a não prescrição de antibióticos sistêmicos como terapia inicial. Essa medida visa evitar efeitos colaterais de uma terapia ineficaz e previne também o desenvolvimento de resistência antibiótica. Antimicrobianos orais só devem ser usados quando já há propagação da infecção para fora do conduto auditivo externo, ou quando o paciente apresenta fatores específicos que indiquem a necessidade de terapia sistêmica, por exemplo, quando as gotas não entram no canal ou quando há deficiência do sistema imunológico.

Espera-se que entre 48 e 72 horas após o início da terapêutica já seja possível observar resposta. Quando isso não ocorrer, a recomendação da IAPO é para que se conduza nova avaliação a fim de confirmar o diagnóstico e excluir outras causas da doença.

As diretrizes americanas recomendam ainda que, em caso de suspeita ou confirmação de perfuração da membrana timpânica e/ou presença de tubo de ventilação, o médico deve prescrever preparação tópica não ototóxica.

Quanto à duração do tratamento, as gotas devem ser usadas por pelo menos sete dias, com possibilidade de estender o uso por, no máximo, mais sete dias.

Além da adesão correta à terapêutica, algumas precauções também contribuem para que o paciente tenha uma recuperação adequada. É o caso, por exemplo, de evitar coçar ou tocar com força o ouvido, assim como, evitar a inserção de objetos, inclusive hastes de plástico com algodão na ponta. É importante ainda impedir que o ouvido afetado entre em contato com água, tanto no banho quanto em atividades aquáticas.

"Indivíduos que apresentam tendência a desenvolver otite externa devem utilizar tampões durante o contato com a água, para prevenir a doença. A otite externa aguda está muito relacionada ao contato com água, tanto que é muito mais frequente durante o verão", disse a médica.
Dados epidemiológicos ainda são escassos
A doença, caracterizada como uma inflamação difusa do conduto auditivo externo, atinge cerca de 10% da população norte-americana, sendo crianças e adolescentes um dos grupos mais acometidos[5]. No Brasil, ainda há escassez de dados epidemiológicos da doença[3].

Em geral, a enfermidade está associada a infecção bacteriana, sendo que, nos Estados Unidos, Pseudomonas aeruginosa e Staphylococcus aureus são os agentes mais comumente envolvidos, respondendo por 98% dos casos de otite externa[6].

Quanto aos sintomas, além da otalgia, é possível que haja coceira ou sensação de ouvido "cheio" ou tampado. Esses quadros podem ser observados com ou sem perda de audição ou dor na mandíbula[4]. Também é possível que haja secreções mucopurulentas. "Como se trata de um problema externo, frequentemente não ocorrem febre, tosse, coriza ou dor de garganta, ou seja, não há sinais sistêmicos", esclareceu a Dra. Tânia, lembrando que o quadro pode ser uni ou bilateral.

Referências
 
1. Drehobl, M et al. Comparison of efficacy and safety of ciprofloxacin otic solution 0.2% versus polymyxin B-neomycin-hydrocortisone in the treatment of acute diffuse otitis externa. Curr Med Res Opin, 2008, 24(12):3531–42. Disponível em: http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1185/03007990802583845?journalCode=icmo20.
 
2. Roland, PS et al. A single topical agent is clinically equivalent to the combination of topical and oral antibiotic treatment for otitis externa. Am J Otolaryngol, 2008;29(4):255–61. Disponível em: http://www.amjoto.com/article/S0196-0709(07)00141-X/fulltext.
 
3.Ministério da Saúde – Brasil. Medicamentos tópicos para Otite Externa Aguda. Relatório N° 253, Março/2017. Disponível em: http://conitec.gov.br/images/Relatorios/2017/Relatorio_MedicamentosTopicos_OtiteExterna_final.pdf.
 
4. SIH, T. et al. XIII Manual de Otorrinolaringologia Pediátrica da IAPO. 1. ed. São Paulo: Editora e Gráfica Vida & Consciência, 2015. v. 1. 304p.
 
5. Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Estimated burden of acute otitis externa--United States, 2003-2007. MMWR Morb Mortal Wkly Rep, 2011;60(19):605–9. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21597452.
 
6. Roland, PS e Stroman, DW. Microbiology of acute otitis externa. Laryngoscope, 2002;112(7 Pt 1):1166-1177. Disponível em: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1097/00005537-200207000-00005/abstract;jsessionid=835167D1F0289A166E9B7FA0B2E4DF5C.f04t02.

por Teresa Santos e Dra. Ilana Polistchuck
Medscape

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