domingo, 29 de janeiro de 2017

São Braz nunca mais! Diz Procurador Regional da República da Paraíba Duciran Farena

Procurador da República na PB diz que família de Diogo terá de suportar peso da perda e da injustiça
Foto: Reprodução Internet

"Apelo aos valorosos colegas do Ministério Público do Estado da Paraíba para que dediquem seus maiores esforços e capacidades em prol da condenação do responsável por homicídio doloso. Eu de minha parte, tenho a firme intenção de não mais consumir qualquer produto ou serviço com a marca “São Braz” até que a justiça julgue o responsável, aplicando-lhe a devida punição, até que a família da vítima seja devidamente reparada mediante acordo judicial, e até que os cofres públicos estaduais – que irão suportar a pensão paga à família – sejam devidamente compensados."

O Procurador Regional da República Duciran Farena, em artigo publicado em seu perfil pessoal nas redes sociais, afirma que a família do agente de trânsito Diogo Nascimento terá de suportar o peso duplo de perder um ente querido e a injustiça por não ver preso o acusado Rodolpho Carlos, que atropelou e matou Diogo durante uma blitz da Lei Seca realizada na madrugada do último sábado (21). Entenda o CASO clicando neste LINK


Confira abaixo o artigo de Dulciran.

O TIRA VIDAS II
Duciran Van Marsen Farena
Procurador Regional da República

Em 2010, por ocasião do crime de trânsito que ceifou a vida da defensora pública Fátima Lopes, escrevi um artigo com o título acima (agora, nesta sequência trágica que parece não ter fim, rebatizado como O Tira Vidas II). Naquele artigo, relatei o caso, ocorrido em outro estado da federação, que me havia sido contado por um conhecido. Reproduzo um trecho:
“Um playboy, de boa família, aluno de tradicional colégio, embriagado, atropelou e matou duas pessoas da mesma família. Não prestou assistência; a placa de seu veículo (…) esportivo (…) fora anotada pelo motorista do carro de trás, revoltado com a selvageria”. Com a ajuda de advogados pagos com o dinheiro que foi negado à família da vítima, acabou ‘condenado à liberdade’. Assim, “nunca deixou de levar sua vida normal, frequentar bares, boates, baladas, etc. Logo após acabado o incômodo do processo, o rapaz convidou os amigos para uma comemoração. E ali, após algumas doses, confidenciou que costumava, para si mesmo, batizar seus carangos com nomes – e o do acidente, prestes a ser trocado, havia sido denominado “o tira vidas”.

A tragédia se repete. Com contornos ainda mais graves. Enquanto o artigo de 2010 reclamava mais e mais frequentes fiscalizações com bafômetro, para estancar o massacre dos tira-vidas, no fatídico sábado passado (21/01) foi atropelado Diogo Nascimento de Souza, ser humano decente, trabalhador honrado, agente da lei, que ganhava o sustento de sua família varando noites em blitzes da Lei Seca, tentando impedir que tira vidas alcoolizados provocassem mais luto e dor numa cidade já tão ferida por episódios semelhantes. E foi atropelado por um deles. Morreu no dia seguinte, domingo, quando o céu de João Pessoa, sempre azul, vestiu-se de luto e chorou a perda.

Era noite de sábado, mas Diogo Nascimento de Souza não descansava. Trabalhava, enquanto tantos se divertem, e alguns se excedem. O dever de Diogo era evitar que o excesso de alguns pusesse em risco a vida deles próprios e dos outros. Acenava para o cumprimento da lei, mas uma máquina – máquina exclusiva, diferenciada – indignou-se com aquele aceno, considerando-o uma ousadia intolerável, já que deveria orientar-se apenas para os calhambeques.

E avançou. Como é da sua natureza de Porshe.

Diogo tropeçou no céu como se fosse um dos bêbados que parava. E flutuou no ar como se fosse pássaro. E se acabou no chão feito um pacote flácido. Agonizou no meio do passeio público. Morreu na contramão atrapalhando o sábado. Ou melhor, morreu no domingo porque atrapalhara o sábado de um carro de luxo. A sina do trabalhador brasileiro. Especialmente dos que se atrevem a se colocar no caminho de possantes. Apenas um obstáculo a ser removido. Ao custo de um passeio interrompido, um para-brisas quebrado, uma corrida de volta ao aconchego de uma garagem quentinha e coberta.

O Porshe foi identificado porque na violência do choque deixou a placa para trás. Foi apreendido.

O condutor teve melhor sorte. Com ordem de prisão expedida, nem sequer chegou a suportar o incômodo que o playboy do artigo original passou – uma noite na delegacia, depoimento, esperar sentado num banco duro, bebendo água em copo descartável, a liberação mediante fiança. Foragido, foi beneficiado com um habeas corpus concedido pelo desembargador plantonista às 3 horas da madrugada de domingo, enquanto Diogo agonizava no hospital em que veio a falecer. Decisão questionável, não apenas porque privou a autoridade policial de saber qual o verdadeiro estado do condutor logo após o fato, mas pelo horário absolutamente inusual, até mesmo para plantão, em que concedida – à parte o fato de que o autor da decisão já nem sequer seria o plantonista àquela altura.

Já disse em outro artigo que as famílias das vítimas no Brasil suportam um peso duplo. Pois não é só a dor da perda, da saudade do ente querido, afligem-se também com o temor da injustiça. O processo é demorado, o esquecimento milita em favor do responsável. A justiça é vista como parcial, e decisões como a que liberou o responsável sem que ele sequer tenha se dado ao trabalho de aparecer não ajudam em nada a desfazer esta crença. Por isso mesmo as famílias revivem a dor da perda, a cada dia, sendo obrigadas a confeccionar camisas, fazer manifestações, e até mesmo pagar outdoors pedindo justiça – porque não crêem em nossas instituições. Cada vez que um parente enlutado é obrigado a segurar uma faixa na frente do fórum, é novamente vítima, vítima da agonia de ter que lembrar o crime, vítima do horroroso medo de que o culpado sairá impune.

Enquanto isso, o esquecimento é tudo que o culpado quer. Como escrevi no “Tira Vidas I”, todos têm algo em comum: “o desejo de fugir de sua responsabilidade, retornar à vida normal o mais rápido possível, esquecer o episódio do qual também se consideram ‘vítimas’. A dor, o sofrimento, a ausência, são privativos da família enlutada. Nada trará de volta o ente querido, certo? Porque, então, querer destruir a vida de um pobre rapaz, com toda a vida e futuro pela frente? Vingança? Que sentimento mais feio!”.

Nas redes sociais, pessoas crédulas e caridosas expressaram o desejo de que o Porshe fosse vendido para ajudar no sustento dos filhos da vítima. Gostaria que fosse verdade, mas não é esta a receita que costuma se ver nesses casos. Por mais abastado que seja o atropelador, ou sua família – ou quanto mais abastado – nas ações de reparação, a regra é caracterizar o pedido de indenização como ganância, ambição ou oportunismo dos parentes, que não tem escrúpulo em explorar sentimentos nobres com fins de lucro. E assim agregam mais dor e sofrimento aqueles que já sofrem todos os dias. “Estão me processando só porque sabem que minha família tem dinheiro”, lamuriam-se os privilegiados, sensíveis demais para suportar uma noite na delegacia, mas neste ponto reivindicando tratamento igualitário aos pobres, que vão para a cadeia mas não sofrem ações civis porque nada têm. Eike Batista ia nesta linha, quando o Porshe de seu filho atropelou e matou um ciclista. Só fez acordo porque a história se espalhava e ficava mal à sua imagem de futuro homem mais rico do mundo (espero que a família tenha recebido antes da falência…).

Em um país verdadeiramente civilizado, o tratamento ao rico seria o mesmo dispensado a todos. A fuga do local do crime seria motivo para negar-lhe a desmerecida liberdade e a tentativa do responsável – intermediado por seus defensores – de caracterizar como ganância a luta das famílias por reparação somente teria o efeito de aumentar o valor da indenização. Enfim, o esquecimento em nada aproveitaria ao réu, porque o processo é rápido.

No Brasil, infelizmente, raro é quando acontece o contrário. Ainda tenho esperanças, mas a realidade é dura – para quem tem o sentido inato de justiça, e muito mais para a dolorida família da vítima – quando o responsável é rico e poderoso. Por isso mesmo temos a obrigação de não deixá-los sós, temos a obrigação de não esquecer. Apelo aos valorosos colegas do Ministério Público do Estado da Paraíba para que dediquem seus maiores esforços e capacidades em prol da condenação do responsável por homicídio doloso. Eu de minha parte, tenho a firme intenção de não mais consumir qualquer produto ou serviço com a marca “São Braz” até que a justiça julgue o responsável, aplicando-lhe a devida punição, até que a família da vítima seja devidamente reparada mediante acordo judicial, e até que os cofres públicos estaduais – que irão suportar a pensão paga à família – sejam devidamente compensados.

Lamentavelmente, permanece mais atual que nunca a conclusão que escrevi no “Tira Vidas I”:
“Eles estarão sentados no banco dos réus, a face compungida, a postura estudada, o modo sério. Eles evitarão olhar para os acusadores, para a família da vítima – e quando o fizerem, por um breve momento, será um olhar triste e interrogativo: “porque estão fazendo isso comigo? Porque este escândalo indecoroso, já não estou sofrendo o bastante? Já não tive que gastar tanto com advogados? Em que meu sofrimento lhes aproveita?” Eles serão rapazes de futuro, profissionais, noivos, filhos de família, pais de família. Pessoas a quem jamais negaríamos uma segunda chance.
Mas não nos iludamos. Eles são os tira-vidas”.

Fonte: Paraíba Já

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