domingo, 6 de novembro de 2016

Entrevista com o Médico Dr. Celmo Celeno Porto (Revista Ser Melhor)

 O médico Dr. Celmo Celeno Porto esteve em Sobral
O conceituado médico, Dr. Celmo Celeno Porto, autor de importantes obras didáticas na Medicina, que há 25 anos vêm contribuindo com seus livros de Semiologia Clínica para a formação de médicos em todo País, esteve em Sobral para ministrar palestra. Na oportunidade, o Dr. Celmo Celeno Porto concedeu entrevista para a Revista Você Melhor, onde abordou aspectos da relação médico/paciente, reorganização do sistema saúde, ética e prática médica, uso das tecnologias digitais entre outros assuntos. Atencioso e agradável, ao compromisso do encontro, ele recebeu a equipe da Revista Você Melhor no Centro de Educação à Distância (CED), em uma atmosfera calorosa e receptiva. A acolhida à equipe se deu com um sorriso no rosto e um generoso aperto de mão, dando prova de que o homem/médico se faz respeitado e admirado não apenas pela coerência do seu discurso, mas também pelo o exemplo de vida irretocável.

VM – O Sr. está visitando Sobral pela primeira vez para ministrar palestra em congresso médico. Qual a sua impressão acerca da cidade?
CCP – “Primeiro, é uma grande satisfação participar deste congresso, pois acredito muito em eventos que são organizados pelos alunos através de suas ligas médicas, pois é aí que acontece toda a transformação do ensino médico durante a Faculdade. Também estou encantado com a cidade de Sobral, percebe-se a sua pujança, que é hoje um pólo consagrado na área da educação e com certeza vai ser em outras áreas também”.

VM – Dr. Celmo Celeno Porto, o que lhe atraiu e lhe atrai na Medicina?
CCP – “Foi sempre o contato com o paciente. Para mim, o que prevalece e deve ser o motivo do trabalho médico é o interesse pelo encontro com o paciente para ajudar aquela pessoa que está fragilizada, em sofrimento, então eu preciso estar interessado em ajudar”.

VM – Em que época o Sr. estabeleceu esta ideia?
CCP – “Foi aos cinco anos de idade quando eu acompanhava o meu pai (Calil Porto) em visita aos seus pacientes, em suas residências, em uma pequena cidade de Minas Gerais. Lembro-me de suas pacientes, a dona Rosa, a dona Romana e outros. Então, a minha vocação vem desde criança, essa origem é muita antiga. Portanto, desde cedo eu vi meu pai sentado ao lado do leito destas pacientes, conversando com elas e dando para elas, o que em qualquer lugar do mundo é assistência e cuidado médico. E continuo achando que esta é a verdadeira vocação médica”.

VM Quais competências devem ser desenvolvidas por alguém que deseja exercer a Medicina?
CCP – “Nesse caso, o futuro médico tem que aprender a ver as pessoas com respeito, viver com respeito, ter compaixão e ver a Medicina com honra. O médico tem que ser íntegro, não pode ser arrogante, não pode mentir, não pode ser enganador, pois se for assim ele não pode ser médico. O futuro médico tem que entender que a Medicina exige dele qualidades humanas e princípios éticos, sem os quais, ele não pode exercer a profissão. Eu costumo dizer que o Ato Médico perfeito tem três componentes: o ético e o humano, que caminham juntos e, em terceiro, a competência científica. Se o médico consegue reunir estes três componentes ele vai praticar o ato médico perfeito”.

VM – Qual a sua opinião sobre a relação médico/paciente que se dá através das redes sociais ou pelos aplicativos de mensagens atuais, como o Whatsapp?
CCP – “Este é um tema fascinante, pois isso realmente está acontecendo e vem sendo tema de estudo e eu até já fiz uma artigo intitulado O Médico, o Paciente e a Internet, que será publicado, em breve, no site da minha editora. Hoje, existe a necessidade de se restaurar a relação médico-paciente na prática médica e isso já está bem claro. Os pacientes já percebem esta necessidade com muita clareza. Sempre que se fizer um estudo sobre reclamação ou ação contra médico, a tônica é a relação médico-paciente de má qualidade, então, isso é ponto pacífico. O uso desta forma de comunicação é uma questão em que o Conselho Federal de Medicina (CFM) já se pronunciou, embora esteja em aberto, mas a consulta à distância não é ético. Ela não preenche as condições necessárias para que o médico consiga fazer o diagnóstico e tome decisões adequadas sobre a doença, a terapêutica e outras situações da consulta médica. O que pode vir depois, que é a evolução, não existe problema em se utilizar estas tecnologias imediatas. Nessa fase não há problema, pois o médico já tem o domínio do essencial do paciente e o seu agravo, precisa-se, então, separar os dois momentos quando trata-se desta questão. A consulta é presencial. O seguimento, o follow-up, é que poderão ser utilizados estes recursos à distância.
O médico Dr. Celmo Celeno Porto durante palestra no CED em Sobral, em evento do Curso Médico/INTA 
VM – Então podemos considerar a relação médico/paciente como a essência da prática médica?
CCP – “Sim. A relação médico/paciente é a essência da Medicina, nada a substitui. Toda vez que esta relação perde qualidade, a Medicina também perde qualidade. O componente chamado relação médico/paciente é o que estabelece uma série de condições básicas para a prática médica, entre elas a confiança. Quando o médico não desperta a confiança o paciente não adere ao tratamento. Um importante indicador para entender a qualidade desta relação é a adesão ao tratamento. Se a adesão ao tratamento está baixa pode verificar que um dos fatores que está interferindo é a má qualidade da relação médico/paciente, não é a tecnologia que faltou, mas sim uma boa relação da prática médica.

VM – Qual a sua opinião sobre o uso excessivo de recursos tecnológicos (exames de imagem) utilizados pelos médicos para diagnóstico?
CCP – “Eu valorizo mais a anamnese do que o exame físico, na minha visão médica a anamnese é 80% e o exame físico é complemento. Se eu não fizer bem feito a anamnese eu não tenho condição de fazer hipóteses diagnósticas consistentes. Sem isso, eu não vou saber os exames complementares adequados, saber interpretá-los e, o final de tudo isso, é uma proposta terapêutica de má qualidade e, se eu for tentar fazer prognóstico, aí é que não vai dar certo. Eu não tenho dúvida: Medicina de qualidade tem como base um exame clínico inicial bem feito, pois não tem conserto se começar errado”.

VM – Como o Sr. avalia o sistema de saúde brasileiro atual?
CCP – “A organização do sistema de saúde tem que começar com uma Atenção Primária bem feita, que é a mais barata, a mais eficiente e é aquela que dá origem à boa Medicina. Os países civilizados já compreenderam isso, por exemplo, o Canadá, que mudou tudo lá, e o foco é na Atenção Primária. O caminho é esse, mas isso não é charmoso, isso não dá manchete, envolve poucos recursos, mas não tenho dúvida que o foco deve ser a Atenção Primária.
Dr. Celmo Celeno Porto, Enfª.  Claudênia Aguiar e Dr. Clenao Arruda
VM – Sabe-se que hoje o médico da Atenção primária é muito desprestigiado e o parâmetro para isso é a falta de interesse dos médicos pelas Residências de Medicina de Família e Comunidade. O que o Sr. pensa sobre isto?
CCP – “E tem uma razão para isso: não existe carreira de Estado para o médico. Tem uma proposta no Congresso Nacional, que eu ajudei a fazer, que é a carreira de Estado para o médico da Atenção Primária, como existe no sistema judiciário. O médico deve ser admitido na Atenção Primária com um salário digno, com uma infraestrutura adequada, com o respeito da população e dos gestores. Essa posição tem que ser assumida por nós médicos, pelos nossos colegas líderes nas casas legislativas que vai refletir na legislação. Nós, médicos, temos que ter essa visão ideológica coletiva de futuro e não apenas de momento, centrada no individual ou em grupos. O sistema tem que ser reorganizado, pois ele está caindo aos pedaços, é muito caro e denota uma insatisfação generalizada e essa organização passa pela nossa categoria.

VM – Como o Sr. compreende o processo saúde/doença?
CCP – “A doença é uma má consequência de alguma coisa, pois nós não nascemos para sermos doentes. O processo saúde/doença é uma visão de conjunto, pois é um processo absolutamente intricado. Eu aprendi uma coisa: estar doente é diferente de sentir-se doente. Estar doente é um rótulo que o médico coloca no paciente, sentir-se doente é outra coisa”.

VM – E como se dá este rótulo?
CCP – "Às vezes uma pessoa vai ao médico, sem estar sentindo nada, e recebe um rótulo como “você tem pressão alta”, então, a pessoa torna-se doente. Isto acontece muito por causa da forma inadequada de como o médico se expressa com o paciente e este acaba somatizando o rótulo. Por outro lado, o próprio ensino médico está centrado na doença, mas isso pode ser mudado, pois a Medicina não é fixa desde Hipócrates já que sofreu muitas mudanças ao longo destes dois mil anos e esse foco pode mudar. Essa mudança começa no Curso de Medicina objetivando formar novas gerações de médicos em que a saúde e a doença passem a ser vistas com o mesmo foco.

VM – Que mensagem o Sr. deixa para os estudantes de Medicina e para os que estão começando na profissão?
Dr. Celmo Celeno e Dr. Cleano Arruda (Diretor da Revista Ser Melhor)
CCP – “Todos os dias, eles devem se fazer uma pergunta. Eu estou na profissão certa? A Medicina não aceita a pessoa que tenha uma vocação pela metade, ela não admite um médico que não esteja inteiramente comprometido com a sua profissão. Enfim, é o compromisso com a profissão, examinar a sua consciência e perguntar sempre se está na profissão certa. Eu nem vejo com maus olhos os estudantes, pois eles entram na Faculdade muito novos, às vezes com 16 anos e nem sabem ainda bem o que querem. E para isso deve ter a contribuição do Curso, dos professores que, logo no começo da Faculdade, não devem mostrar para eles apenas o cadáver, a anatomia, a lâmina, mas mostrar o que é a Medicina, a realidade da profissão, aí eles vão decidir com mais segurança se continuam naquele caminho ou não”.


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