O agora médico
Luciano Carlos, 25, seria apenas mais um a se formar, no último fim de semana,
em medicina pela Uespi (Universidade Estadual do Piauí), não fosse o desafio de
chegar ao diploma após conciliar os estudos com o trabalho na roça, desde
criança, e a falta de dinheiro para se manter em curso na capital.
Luciano nasceu e
cresceu no pequeno povoado rural Caatinga Branca, em Valença do Piauí (a 216 km
de Teresina). Aos sete anos, começou a trabalhar na roça. "Nessa idade eu
não fazia nada que eu não podia fazer, meu pai não deixava. Era mais só para
acompanhar. A partir de dez, 12 anos já fazia quase tudo", conta o médico.
No roçado, ele
plantava e cultivava hortaliças e legumes. "Não tínhamos outra
opção", diz, contando que seus pais e dois irmãos ainda vivem na roça.
Um ano antes de
ir à roça, Luciano começou a estudar, aos seis anos, na Unidade Escolar Ulisses
Vale Veloso, na zona rural do município. Foi lá que concluiu o ensino
fundamental. Já o ensino médio foi feito à noite em uma escola pública --a
Maria Antonieta-- na zona urbana. Em 2008, concluiu os estudos colegiais e
iniciou a batalha pela sonhada vaga na faculdade de medicina.
"Fiz provas
de vestibulares, mas não fui aprovado", lembra, mencionando que chegou a
fazer um cursinho pré-vestibular por três meses oferecido pelo governo do
Estado.
Em 2009, ele
resolveu se dedicar aos estudos em casa. "Estudava com apostilas e livros.
Apesar de ter focado no estudo individual, ainda participei, durante quatro
meses, de um curso pré-vestibular, mas que só ocorreu no primeiro semestre --no
segundo ele fechou, faliu. Em resumo: quase não tive proveito com curso
preparatório", conta.
No final daquele
ano, veio a aprovação, por cota, no curso de Medicina na Uespi. Também foi
aprovado em outro vestibular, para o curso de Administração, e em um concurso
do Banco do Brasil.
Ajuda no curso
A aprovação foi
apenas o primeiro desafio. Apesar de ingressar em uma faculdade gratuita, a
falta de recursos para custear sempre foi suprida pela solidariedade -- que o
fez se manter na universidade.
"Durante
todo o curso tive sempre o apoio de amigos, familiares e colegas de turma. Meu
sustento era tirado da ajuda da minha família, de uma entidade filantrópica e
de estágios remunerados. Além disso, recebi doações de livros e apostilas
durante o curso", cita.
Ele diz que
durante todo o período vai carregar uma lembrança especial: "o carinho e
respeito que sempre tive dos meus colegas". "Outro fato que me
deixará lembranças é eu ter sido líder de turma durante quase toda a
graduação", lembra.
A formatura
oficial veio no dia 10 de maio. Os eventos de formatura, porém, só ocorreram na
semana passada. Já com diploma há quatro meses, o 'doutor' Luciano hoje
trabalha em uma Unidade Básica de Saúde de Teresina e dá plantões em hospitais
da capital piauiense.
Luciano ainda
depende de transporte público para ir ao trabalho. "Tenho pretensão de
comprar um carro", diz.
Após o ajuste financeiro de primeiros meses com salário, promete retribuir aos
pais tudo que recebeu durante a vida. "Assim que as coisas começarem a se
equilibrar -- o que, com fé em Deus, acontecerá em breve -- passarei ajudá-los
diretamente", conta, sem esconder a emoção ao falar dos pais.
Futuro profissional
A rotina corrida
de trabalho deve ter uma pausa no próximo ano. Ele vai tentar ingressar
residência em otorrinolaringologia, em primeira hipótese, e clínica médica com
subespecialização em cardiologia.
"Meu foco é
passar em uma residência médica este ano, que poderá ser em algum lugar do
Brasil. As provas de residência ocorrem no quarto trimestre do ano. Vou tentar
aqui, no Piauí; e no Ceará, em São Paulo, Minas Gerais e, provavelmente, em
mais algum Estado do Nordeste", afirma.
Depois do curso,
ele promete retornar ao Piauí. "Possivelmente volto a Valença para o
exercício da profissão", promete.
Fonte: Uol
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