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Uma revisão sistemática inédita apresentou evidências da associação entre a exposição a agrotóxicos e ocorrência de doença de Parkinson no Brasil. A pesquisa realizada por pesquisadores da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro), da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) e do Hospital Universitário do Oeste do Paraná (HUOP/Unioste) foi publicada em abril no periódico Cadernos de Saúde Pública. [1]
A literatura mostra que, entre 1990 e 2019, houve um aumento de 155,5% na prevalência da doença de Parkinson no mundo. [2] No Brasil, como não há um sistema de notificação da doença, a incidência é apenas estimada. Mas estimativas de prevalência global, considerando dados de 1990 a 2016, colocam o país na sétima posição entre as nações da América Latina com mais casos da doença. [3]
Uma evidente associação
Para a análise, os autores pesquisaram estudos observacionais conduzidos em humanos e focados na população brasileira. As bases de dados utilizadas foram PubMed, Web of Science e Virtual Health Library. Ao todo, o grupo reuniu 12 artigos na síntese qualitativa. Os trabalhos selecionados foram publicados entre 1988 e 2023.
Os estudos foram classificados quanto à qualidade, sendo um de baixa qualidade, nove de qualidade moderada e um de alta qualidade. Dos 12 estudos avaliados, 11 indicaram associação entre exposição a agrotóxicos e aumento da ocorrência da doença de Parkinson.
Segundo a Dra. Tuane Bazanella Sampaio, doutora em farmacologia, professora adjunta da Unioeste e uma das autoras do estudo, é importante lembrar que associação não indica causalidade e que o nível de evidência científica dos estudos incluídos na revisão deve ser considerado.
“A maioria dos estudos disponíveis e, portanto, incluídos na revisão, eram estudos de caso-controle, os quais são sujeitos a mais vieses. Dito isso, sim, nosso estudo apresenta a existência de uma associação entre a exposição a agrotóxicos e a ocorrência de doença de Parkinson na população brasileira, principalmente em trabalhadores da zona rural”, destacou em entrevista ao Medscape, acrescentando que “ainda existem lacunas nesse campo de pesquisa”.
Alguns agrotóxicos são citados com frequência
Os estudos observacionais incluídos na pesquisa citaram mais frequentemente o uso de alguns agrotóxicos, entre eles glifosato, paraquate e manebe. Conforme ressalta a Dra. Tuane, somente o glifosato é liberado para uso no Brasil. No entanto, ela lembra que a revisão não permite inferir uma relação direta entre esses agentes e a doença de Parkinson.
"É importante enfatizar a nossa preocupação em não superestimar a associação encontrada entre a exposição a agrotóxicos e a ocorrência de doença de Parkinson no Brasil, porém também não podemos subestimá-la, já que nosso estudo corrobora o que diversas revisões sistemáticas e metanálises têm demonstrado em outros países”, diz a pesquisadora.
Para a Dra. Anna Letícia de Moraes Alves, médica neurologista, especialista em distúrbios do movimento e membro do Departamento Científico de Distúrbios do Movimento da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), a associação entre agrotóxicos e a doença de Parkinson no Brasil não é uma surpresa. Essa associação vem sendo demonstrada desde a década de 1990 e início dos anos 2000, evidenciando principalmente o herbicida paraquate como um fator de risco ambiental.
A literatura mostra, segundo a Dra. Anna Letícia, que o risco de doença de Parkinson aumenta “em até três vezes em pacientes que têm exposição ambiental, residencial ou ocupacional aos agrotóxicos”. Além disso, há algumas substâncias que são classicamente apontadas nessas associações, entre elas, além do paraquate, o herbicida rotenona; os inseticidas organoclorados como o diclorodifeniltricloroetano (DDT), proibido desde 1985 no Brasil; o fungicida manebe e o herbicida glifosato, o agrotóxico mais vendido no mundo.
Alguns agrotóxicos, como a rotenona e o paraquate, conseguem interferir no funcionamento mitocondrial das células. “Eles causam doenças neurodegenerativas e sintomas neurológicos justamente por aumentar o estresse oxidativo, por aumentar [a produção de] fatores que provocam adoecimento dessas células”, explica.
A evidência da causalidade vem de estudo em modelos animais. “Animais expostos a essas substâncias desenvolvem doenças neurodegenerativas, incluindo a doença de Parkinson, com neurodegeneração da substância negra, que é o cerne da doença de Parkinson”, explica.
Já o mecanismo molecular é justamente a disfunção mitocondrial, que leva a alteração do metabolismo da célula. Para a médica, o que mais surpreende é o fato de o paraquate só ter sido suspenso definitivamente do Brasil apenas em 2020, apesar do conhecimento dessa associação já ser antigo.
Associação potencializada
A revisão mostrou ainda que a associação entre exposição aos agrotóxicos e doença de Parkinson foi potencializada pela predisposição genética, particularmente por variações nos genes PINK1 e GST. Exposição ocupacional, residência em área não urbana, baixo nível de escolaridade e sexo masculino também foram outros fatores que potencializaram a associação.
Segundo a Dra. Tuane, esses fatores de risco são reportados por estudos semelhantes conduzidos em outras populações. “A etiologia da doença de Parkinson é considerada multifatorial, então é esperado que fatores intrínsecos ao indivíduo — a exemplo da predisposição genética — sejam encontrados”, destaca.
Mas ela lembra que somente uma pequena parcela dos diagnósticos de doença de Parkinson estão associados a questões hereditárias, o que demonstra a importância de outros fatores associados ao meio ambiente e ao estilo de vida. “Nesse contexto, era esperado que os indivíduos mais expostos aos agrotóxicos — como homens, residentes da área rural e pessoas que realizam o manejo direto [das substâncias] em suas atividades laborais — apresentassem maior ocorrência da doença”, afirma.
Impactos sobre tratamento e prevenção
Segundo a Dra. Anna Letícia, pacientes com doença de Parkinson que têm história de uso de agrotóxicos apresentam frequentemente uma forma tremulante, ou seja, eles tremem mais e a progressão da doença é um pouco mais rápida. O quadro, de acordo com a médica, demanda muito mais cuidados e doses maiores dos medicamentos. No entanto, o tratamento acaba sendo muito parecido com o de quem tem doença de Parkinson sem relação com agrotóxicos.
Já no campo da prevenção há muito espaço para mudança. Segundo a Dra. Tuane, a revisão brasileira evidencia fragilidades no monitoramento de agrotóxicos no país. Isso porque agrotóxicos de comercialização proibida há muitos anos foram citados nos estudos revisados, demonstrando a existência de um mercado ilegal que possibilita o acesso e uso de agentes químicos sabidamente danosos à saúde.
“Nossos achados são um alerta para a necessidade da implantação de políticas públicas efetivas e conscientização da população — principalmente a mais exposta — quanto aos riscos associados aos agrotóxicos e à necessidade do uso correto de equipamentos de proteção individual no manejo dessas substâncias”, defende.
Referências
Santos JR, Mendes MC, Dallabrida KG et al. Pesticide exposure and the development of Parkinson disease: a systematic review of Brazilian studies. Cad Saude Publica 2025. doi: 10.1590/0102-311XEN011424.
Ou Z, Pan J, Tang S et al. Global trends in the incidence, prevalence, and years lived with disability of Parkinson’s disease in 204 countries/territories from 1990 to 2019. Front Public Health 2021. doi: 10.3389/fpubh.2021.776847
Dorsey ER, Elbaz A, Nichols E et al. Global, regional, and national burden of Parkinson’s disease, 1990-2016: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2016. Lancet Neurol 2018. doi: 10.1016/S1474-4422(18)30295-3
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